Rodrigo | @muitacoisaescrita 20/01/2020
Quem pode falar? O que se pode falar? Nossas vozes são ouvidas? Se falamos algo que não nos é permitido, o que acontece?
Com referências excelentes, Djamila Ribeiro constrói este pequeno livro - pequeno em quantidade de páginas, mas tão gigante em conteúdo - necessário e enriquecedor para o movimento antirracista, antissexista, antidominação, etc. Djamila resgata a trajetória das mulheres negras feministas, que durante todas as "ondas feministas" falaram, mas só foram efetivamente ouvidas quando decidiram "falar por elas". Explico: feministas brancas "simpatizaram" com o discurso de suas companheiras de luta, as mulheres negras, e compartilharam com suas irmãs brancas a necessidade e urgência de uma luta feminista que olhasse para a raça das mulheres de cor. (Esse processo, no entanto, foi árduo: durante as 1a e 2a ondas, tivemos Sojourner Truth e bell hooks, respectivamente, erguendo suas vozes para reivindicar essa necessidade). É impossível desconectar uma luta da outra e escolher uma "mais importante", pois as formas de opressão se cruzam e, por vezes, se confudem (isso é explicado de forma mais didática em "O que é interseccionalidade?"). Se queremos um movimento de libertação, é necessário que todas, todes e todos sejam livres - que nenhum corpo seja deixado pelo caminho (pois esse corpo, à margem, tem gênero, raça e classe).
A concepção do "Outro" beauvoireano é enriquecida com a de "Outro do Outro" de Grada Kilomba ao falar da mulher negra. Beauvoir diz que a mulher (branca européia) é o Outro do homem (branco europeu). Kilomba, no entanto, afirma que a mulher negra é o Outro do "Outro", reafirmando a subalternidade das mulheres negras, pois não são homens nem brancas. Para quebrar essa norma colonizadora é necessário a auto-definição, deixar o ser colonizado falar por si próprio e contar sua história através de sua perspectiva.
Quem fala, fala de algum lugar e trás sua perspectiva a partir de sua vivência em nosso mundo de classes, racista e cisheteropatriarcal, portanto todos e todas tem lugares de fala. Trazem, consigo, suas vivências a partir das nossas estruturas de poder e opressão sistemática. Mas quem é ouvido? A colonização e a posterior colonialidade (do poder, do ser e do saber) impôs quem pode falar, quem pode ser ouvido, quem pode produzir conhecimento científico legítimo, o que é e o que não é ciência, quem pode morrer, quem pode ser assassinado com 4 tiros na cabeça, quem pode ter o carro atingido com mais de 80 tiros, quem pode ser a menor parcela da população em cargos de poder e faculdades, etc.
Djamila cita Sueli Carneiro, Lélia Gonzalez, Spivak, Grada Kilomba, Patricia Hill Collins e mais outras pensadoras e ativistas incríveis que contribuíram enormemente à nossa luta. Por isso, "o lixo vai falar, e numa boa".