Léia Viana 26/05/2011
Único, complexo e atual ao descrever uma sociedade alienada e mecanicista.
Foi difícil classificar esta obra de Huxley, a principio, fiquei com dificuldade em encontrar o enredo da história, conforme a leitura avançava fui descobrindo que “Contraponto” não tem uma trama específica, e sim, uma análise nas diferentes personalidades humanas expostas nos personagens construídos por Huxley.
E é isso que faz todo o diferencial nesta obra, os contrastes de personalidade entre um personagem e outro, Huxley os deixa nus para que possamos analisá-los por nós mesmos.
Torna-se complicado seguir adiante com a leitura sem parar, pelo menos por um breve momento, para refletir nos detalhes que os separam e que os tornam tão humanos e tão próximos de nós, a riqueza e pobreza; a beleza e a feiúra; a inteligência e a falta dela, são características cruciais para a riqueza dos diálogos travados entre os personagens, que se revelam e nos permitem julgá-los e nos compararmos a eles.
Huxley me dá a impressão de que também está analisando seus próprios personagens.
“- É jovem ainda. Foi assim que Spandrell comentou a noite. – Jovem e um pouco insípida. As noites são como seres humanos: só começam a interessar depois que ficam adultas. Lá pela meia-noite elas atingem a puberdade. Um pouco depois da uma hora chegam à maioridade. A sua plenitude está entre duas e duas e meia. Uma hora mais tarde elas vão ficando cada vez mais desesperadas como essas mulheres devoradoras de homens e esses homens maduros em declínio que andam por aí a saltitar num pé só mais violentamente do que nunca, na esperança de convencerem a si mesmos de que não são velhos. Depois das quatro horas, as noites entram em plena decomposição. E a sua morte é horrível. Verdadeiramente horrível, ao nascer do sol, quando as garrafas estão vazias, as pessoas têm um aspecto de cadáveres e o desejo se desfaz em desgosto. Tenho um fraco pelas cenas de leito de morte, confesso – acescetou Spandrell.”
Huxley está para mim quase como Lispector, a minha escritora favorita. Seus textos conseguem transmitir uma certa suavidade, mesmo sendo densos em alguns momentos, nos arranca da mesmice de sempre bagunçando nossos sentimentos... é quase perturbador.
Creio que seja impossível ler “Contraponto” apenas uma única vez. Huxley construíu uma história que necessita ser relida por causa de tanta coisa, mas destaco uma em especial: os valores e a falta deles na sociedade passada e atual. Sim. Fora o vocabulário sofisticado e culto, “Contraponto” é atual e perceptível aos nossos olhos, faz parte do nosso cotidiano encontrar esses personagens ‘vestidos’ de pessoas a nossa volta.
O título escolhido pelo autor não poderia ser outro. Contraponto, nos dicionários, refere-se a: “1. Arte de compor música para ser executada por vários instrumentos ou vozes.2. A música assim composta. 3. Harmonia de vozes ou instrumentos.”
Seus personagens são assim, complexos, parecem ‘valsar’ quando conversam. Arrisco-me a compará-los as engrenagens das máquinas que se intercalam e se fundem por um breve momento, apenas para cumprirem a sua função, assim como muitas pessoas o fazem dentro da sociedade.
Contraponto é único, mas não é uma leitura de fácil aceitação.