spoiler visualizarMateus 27/04/2024
Fundo do poço com a tampa fechada
“Quando a gente não tem nada para fazer, os pensamentos acabam indo cada vez mais longe. Tão longe que a gente não consegue mais acompanhar.”
Em alguns momentos é necessário não agir, dedicar tempo à reflexão, tentar ver a situação de fora, como se estivesse vendo o problema em terceira pessoa. É assim que Toru Okada parece enfrentar suas angustias no brilhante romance de Murakami.
Por vezes, os acontecimentos na vida de Okada parecem sonhos, são enigmáticos, confusos e carregam boa carga emocional. Outras vezes, os sonhos do personagem parecem muito reais, tão concretos a ponto de não se perceber a diferença entre o mundo onírico e o autêntico, será que esse limite foi rompido?
Okada tem 30 anos, é casado e não tem filhos. Graduado em Direito, ainda não foi aprovado no Exame da Ordem dos Advogados, trabalhava em um escritório de advocacia, mas decidiu pedir demissão. O rumo de sua vida parecia não estar indo para um lugar agradável, mesmo que ele não tenha um objetivo definido, e ele utilizaria essa sobra de tempo em sua rotina para pensar. Sua esposa, Kumiko, é jornalista e aufere rendimentos suficientes para sustar a família enquanto o marido passa por essa fase recebendo seguro-desemprego.
A partir de então, Toru utiliza seu tempo disponível para viver de modo simples e refletir, talvez não refletir especificamente sobre seus problemas, mas para simplesmente não ter nada em seus pensamentos que não seja exatamente o que ele queria que ali estivesse. Porém a vida nunca é tão simples assim.
O personagem apresenta uma terrível característica em sua personalidade, este parece fugir dos problemas sempre que possível ou deixar a solução para depois.
Há uma metáfora na obra sobre o fundo do poço. O personagem enfrenta fracassos e medos, e se vê diante da condição popularmente conhecida como “fundo do poço”. Entretanto, para além disso, Okada utiliza o fundo de um poço seco como local de reflexão. Não bastando isso, a tampa sobre sua cabeça está fechada.
É dali que Toru deve emergir para o mundo dos vivos e enfrentar o que parece ser seu maior inimigo: seu próprio hábito de fuga perante problemas e propósitos.