spoiler visualizarVania Nunes 25/01/2021
Um mundo de possibilidades
Janet Cooper, ex-secretária, estava em sua fase de preparativos para o casamento. Arrumava tudo para que tivesse um início de vida promissor. Conheceu David, advogado, e a afeição foi mútua. Nada arrebatador, nenhum fogos de artifício, mas o casal se combinava, então, por que não casar? (lembrando que este livro foi escrito na década de 50, daí, a moral e os bons costumes eram um pouquinho diferentes de hoje em dia.)
No entanto, faltando três dias para o casamento, Janet tinha algo em sua mente que a incomodava. Algo que aconteceu com ela ao longo de dez dias enquanto David estava em Chicago, a trabalho.
Por isso, ela decidiu procurar um psiquiatra (sim, o acontecimento havia mexido com a cabeça dela, e ela precisava de um conselho profissional.)
Tudo começou quando David foi avisado no escritório em que trabalhava sobre a necessidade de ir para Chicago.
Normalmente, as viagens eram feitas pelos sócios mais antigos, então, quando ele foi notificado de que ele iria, a felicidade foi total.
Janet já tinha saído de seu emprego, e ofereceu-se para ir com ele (uma lua de mel antecipada, talvez?), só que David achou um escândalo (o que os chefes pensariam já que eles nunca levavam suas esposas nas viagens?)
Então, para não se sentir tão sozinha enquanto o esperava voltar - e por conta do nervosismo do casamento que se aproximava -, ela decide revisitar Avalon, uma pequena cidade que tinha uma colônia de férias onde ela foi na infância e lhe trazia memórias felizes.
Infelizmente, depois de tantos anos, Avalon já não tinha o mesmo apelo de seus primeiros anos, e a colônia sequer existia mais.
Angustiada, ela decide passear nas dunas à noite.
E é quando acontece a "coisa".
Janet percebe uma luz estranha no céu. A luz se aproxima, torna-se cada vez maior, e Janet é erguida do chão.
Ela havia acabado de ser abduzida.
Dentro daquela nave estranha, pela janela, ela só via o espaço. Os seres que a capturaram tinham duas características marcantes: eram muito altos e não tinham qualquer cabelo.
Foram gentis com ela, mas em nenhum momento ela ouviu suas vozes.
Estranhamente calma, ela os ensina a cumprimentar com aperto de mãos, e só então ela nota um esparadrapo em seu braço, provavelmente algo para que ela não surtasse.
A chegada ao planeta deles foi em festa.
Vários outros seres de aparência semelhante, mas com roupas de cores diferentes, os saudaram.
Janet é apresentada a uma mulher daquela espécie. Tão alta quanto eles, muito bonita sem artifícios, e, diferente dos homens, com muito cabelo.
Sanau sabia falar inglês. Ela era uma espécie de especialista em idiomas, e ainda que falasse o de vários planetas, havia uma pessoa muito mais especial do que ela no conhecimento de línguas: Yargo.
Yargo era o ser supremo do planeta; uma mistura de rei e deus, escolhido pelo povo por seus méritos, não por linhagem familiar. Ele era tão especial que quando havia num mesmo ambiente mais de um yargoniano, e o nome dele era mencionado, eles faziam uma certa reverência com expressão em êxtase.
Mas o tal Yargo - que também era o nome do planeta - não se apresentou a Janet.
Na verdade, segundo Sanau, Janet era um "erro".
Os pilotos foram à Terra à procura de um certo cientista que estaria presente num local semelhante onde Janet se encontrava. No entano, uma chuva de meteoros fez a nave sair de seu curso, e acabaram nas dunas erradas.
Apesar da frieza daquele povo - eles haviam abolido as emoções (segundo eles, as emoções eram a causa de tantas desavenças e sofrimentos) -, Janet foi bem tratada. Mas a grande questão era "o que fazer com ela?"
O lógico seria mandá-la de volta à Terra, porém, por uma série de problemas (entre eles, o fato de que ela daria com a língua nos dentes e o conhecimento de vida em outros planetas não existia - o homem sequer tinha ido à lua ainda - 1969).
Então, começa-se uma negociação para mandá-la para Marte.
Os marcianos estavam preocupados com a forma que os humanos vinham tratando o planeta, e tudo que ocorre no sistema solar afeta-os diretamente. Entretanto, para fazer o contato, outra civilização precisaria entrar no jogo porque os marcianos não tinham tecnologia para viagens espaciais. Assim, eles entraram em contato com Yargo, que possuía a tecnologia. A ideia era abduzir um cientista renomado, explicar-lhe as implicações dos maus-tratos dos humanos ao planeta e fazer com que ele lidasse com seu próprio povo. Mas a operação abdução deu errado. Como a ideia foi dos marcianos, eles que lidassem com uma humana não bem-vinda. Janet teria que viver o resto da vida em cavernas adaptadas pelo clima frio do planeta.
E por incrível que pareça, os marcianos decidiram lavar as mãos a respeito dela também.
Outra opção? Ela seria colocada numa nave que ficaria vagando pelo espaço até a morte dela. De tempos em tempos, uma nave yargoniana iria renovar os recursos dela com o necessário para ela viver... sozinha e abandonada.
Quando pouco tempo depois Janet é notificada de que os marcianos mudaram de ideia e a receberiam, os yargonianos seriam responsáveis por tornar a vida dela um pouco melhor ao fabricarem os trajes necessários. E, nesse ínterim de espera, Janet teria o privilégio de ser apresentada ao grande Yargo.
Ela é levada ao castelo onde mora Sua Excelência. Jantar com outros yargonianos.
Yargo era parecido com os outros homens, muito alto, careca, mas havia uma aura nele que o diferenciava dos demais; uma calma enervante e hipnóticos olhos azuis.
Yargo explica a ela o futuro da Terra se os homens continuarem agindo como estão.
Assustada com o futuro de seu planeta, Janet pede para ser o porta-voz, mas Yargo sabia que ninguém ouviria uma mulher sem influência.
Chega o dia da partida de Janet. Sanau, por ser a única, além de Yargo, a falar o idioma dela, vai junto. Seguiriam para Marte. Mas a viagem dá errado. Logo descobrem que os marcianos estavam escondidos em cavernas porque estavam sob ataque de outras naves, o que surpreendeu os yargonianos por não terem o conhecimento de que alguma outra civilização tinha tecnologia para tal.
Depois de várias manobras tentando fugir das naves inimigas, a nave deles precisa de reparos antes de tentar seguir para Marte ou voltar para casa; decidem pousar em Vênus.
E então, o caos se deu.
Lá, são capturados, os homens mortos, e as mulheres, mantidas para participar de um ritual macabro (mas muito bem descrito). Sanau e Janet não teriam como fugir e começam a compactuar uma forma de se matarem para não ceder ao que vinha pela frente.
E aí, mais um milagre.
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Bom, obviamente que se você chegou até aqui, já percebeu que, de alguma maneira, não só Janet, a protagonista, sobreviveu, como ela conseguiu voltar à Terra (ou ela não estaria no dilema, com o psiquiatra, sobre contar ou não a David sobre sua aventura espacial.)
O que acontece após o resgate das duas é interessante e é o que começa a moldar o lado romântico do livro.
Mas é aí que o caldo entorna.
Na minha opinião (que fique bem claro isso) , o fim do livro não parece ter sido escrito por Jacqueline Susann.
A narrativa está muito diferente. Ela é detalhista desde o início do livro, ao descrever personagens, sensações e algumas ações (a cena do ataque é muito bem descrita). No entanto, as partes finais do livro parecem ter sido escritas com muita pressa, apenas com o objetivo de dar um ponto final à história.
Como dito lá em cima, o livro foi escrito por ela na década de 50. Foi um dos seus primeiros escritos.
A tecnologia a nós tão normal, era nada naquela época. Existia a Guerra Fria; Anos Dourados; a TV ainda começava a se popularizar; James Dean fazia sucesso com seu "Rebelde sem Causa"; estoura o Rock'n'Roll, e a Teoria do Big Bang foi anunciada em 54. Tudo muito fora da realidade atual.
Ela escreveu (e ao ver o que tinha em mãos, até então, deve ter achado muito estranho). A biografia da autora diz que houve uma "tentativa" de vender o livro, por seu agente, mas sem sucesso; foi deixado de lado.
Depois deste livro (que tinha o título The Stars Scream), ela escreveu outros de retumbante sucesso (como O Vale das Bonecas). O livro Sci-fi ficou esquecido.
Após a sua morte em 1974, o manuscrito foi encontrado em uma de suas gavetas, e publicado em 1979 (lançamentos póstumos costumam ser suucesso, não? A pessoa já tem um nome famoso e os leitores e fãs estão ávidos por qualquer novidade.) A crítica caiu de pau; ficou poucas semanas entre os mais vendidos e nunca mais republicado. No Brasil, foi publicado no mesmo ano de seu lançamento.
Se você relevar a parte final do livro (um clichê romântico muito mal acabado e sem qualquer lógica), vai gostar da história e pensar na possibilidade interessante que teria sido (e poderia até ter virado um grande sucesso no cinema).
Em Star Treck 4, A Volta para Casa, Spock se refere a Jacqueline Susann, ao Almirante Kirk, como "um dos gênios" do Século 20. Com certeza, ele não teria dito isso em relação somente às novelas românticas escritas por ela (vulcaniano sem emoção, certo? Spock se identificaria muito mais com Yargo).
Então, por que ler? As descrições de 2/3 do livro são maravilhosas, cheias de ação e... possibilidades. Não posso dizer o que levou uma atriz e novelista a escrever algo tão diferente do que a fez famosa, mas, com certeza, uma mensagem era para ser dada.
Num momento em que nossas "linhas cósmicas" estão tão turbulentas, uma leitura interessante e questionadora.
5 estrelas