Carol 04/07/2022Impressões da CarolLivro: Era uma vez uma mulher que tentou matar o bebê da vizinha {2013}
Autora: Liudmila Petruchévskaia {Rússia, 1938-}
Tradução: Cecília Rosas
Editora: Companhia das Letras
268p.
Liudmila Petruchévskaia é uma das autoras contemporâneas das mais intrigantes, não apenas por sua prosa afiada, mas também por sua persona. Assistam ao vídeo dela cantando "Only You" na FLIP 2018 e me digam se ela é ou não é um espetáculo =)
Os contos reunidos neste "Era uma vez uma mulher que tentou matar o bebê da vizinha" nos dão um vislumbre do seu estilo literário intrincado. Fábulas místicas, de terror, histórias nas quais a linha que separa o real do inaudito é bem tênue.
Narradores não-confiáveis, espaços claustrofóbicos, distópicos, conflitos familiares, o bizarro do cotidiano, guerra e fome à espreita, mas, sobretudo, narrativas de esperanças possíveis, de uma religiosidade não-institucionalizada, calcada na tradição do povo russo, ecos gogolianos.
Para Petruchévskaia, o não-dito ressoa mais do que o exposto. Assim, seus contos demandam uma leitura mais vagarosa a fim de superar o estranhamento inicial e acessar camadas recônditas, como neste trecho de 'Tem alguém na casa', que trata de uma conturbada relação mãe e filha:
"O piano também tem uma história. A menininha havia aprendido a tocar nele. A mãe insistia. Obrigava a menina, fazia com que sentasse ali. Não deu em nada. A teimosia venceu. A teimosia com a qual uma pessoa se defende da vontade alheia. Protege sua vida. Mesmo que essa vida acabe sendo pior do que a que alguém planejou, mais pobre, mas é sua, não importa qual, mesmo sem música, sem talentos. Sem audições familiares para parentes. No entanto, também, sem o sofrimento desnecessário porque alguém é melhor. Mamãe sofria muito que outras crianças fossem mais talentosas que a filha dela. Essa filha muitas vezes se vingava da mãe tornando-se totalmente imprestável do ponto de vista das duas." p. 119.
Releitura para o Clube do Livro Russo, mediado pelo @litrussa (perfil do instagram), só me fez admirar ainda mais a autora.