Rayhan Chamoun 25/08/2020
Pra mim, não deu...
Muitos podem se assustar com a nota que eu dei para este livro, e com ela, não quero em nenhum momento taxar tanto o autor como a premissa da obra em si como ruim, esse não é o meu intuito. ¨O Castelo¨ foi publicado postumamente, ou seja, Franz Kafka não terminou a história, mas, ainda assim, muitas coisas me desagradaram e vi algo com potencial sendo desperdiçado por uma construção precária da narrativa.
¨O Castelo¨ conta a história de K; um agrimensor que vai até um vilarejo após receber uma carta e que supostamente o emprega em um trabalho para um castelo. Ao chegar no vilarejo, e na verdade, ao longo de todo o livro, K. tenta entender o sistema burocrático que envolve os moradores e sua chegada que passa desapercebida pelo sistema, e que apesar de quase sempre ser justificável por um meio formal, nunca é consagrado através de alguma presença ou encontro.
A prosa de Kafka me agradou e muito, sua escolha por desenvolver muito mais a argumentação em prol da narrativa também é algo que observei positivamente, porém, o autor trabalha muitos elementos secundários e que tomam grande parte da narrativa, justamente para confirmar a burocracia do castelo, e, mesmo utilizando-o como ferramenta para desenvolver os personagens, logo as linhas se perdem por acontecimentos passados e que não possuem qualquer influência direta na trama do protagonista (o melhor exemplo são os capítulos referentes a senhoria da Pousada da Ponte e a família de Barnabé).
Como se não bastasse, o autor usa e abusa do fato do ¨Castelo¨ e de algumas autoridades, como Klamm, serem praticamente citadas por terceiros como artifício de escrita para nos locomover de um lado para o outro. Este exemplo ilustra bem (e sem qualquer spoiler, claro): Quando o personagem vai descobrir ou desenvolver alguns dos vários elementos apresentados pelo autor, ele recebe uma carta, um documento, é chamado por uma pessoa que até então desconhecíamos, somente para desenvolver outros elementos que contribuem pouco com a história que acompanhamos e, novamente, são deixados de lado por eventos imediatos e repetitivos que refletem muito mais as relações sociais de K do que o ¨Castelo¨ propriamente (e que falham igualmente em sequer contribuir de maneira indireta para a trama).
Algumas pessoas levantaram isto como um ponto forte, já que uma das intenções de Kafka era mostrar uma realidade burocrática e como isso impacta (ou não) nosso cotidiano, mas na minha opinião, nem por isso a narrativa precisa se ausentar de conflitos. Os problemas relacionados ao castelo nunca são imediatos, tudo é futuro e incerto, mas, o ¨Castelo¨ por si só não impõe qualquer risco para K, a maior parte deles (os conflitos) são criados na mente do próprio protagonista (em seus pensamentos igualmente burocráticos e processuais).
Uma obra que perde-se desnecessariamente em uma construção cansativa de personagens que não chegam a lugar nenhum, e cujo potencial avassalador é desperdiçado por decisões questionáveis, tanto por parte do autor, como por parte do protagonista, e que quando chega em seu ápice, prova-se mais uma vez pouco esclarecedora para o protagonista, e consequentemente, para nós, leitores.
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