Valério 22/10/2012
Polivalência
Considerada a obra prima de Tolstói, Guerra e Paz é grandioso não somente pelo volume de páginas ou por sua densidade psicológica - esta última, a meu ver, nem tão densa assim - mas por conter, em um só trabalho, nuances tão distintas e, ao mesmo tempo, tão relacionadas entre si.
Correm em paralelo as histórias dos personagens, de caráter ficcional, e a história bélica da invasão e posterior derrocada napoleônica na Rússia, entre os anos de 1805 e 1812 (aliás, o título original da obra, quando começou a ser publicada em jornal, era 1805). Como se não ocorresse no meio de um romance, devido à sua abordagem ampla e detalhada, Tolstói não apenas descreve o desenrolar da guerra como a analisa e demonstra os motivos e o teatro de guerra em particularidades que contradizem o senso comum. Relativiza a influência de personagens históricos, como o próprio Napoleão e o soberano Alexandre, da Rússia, e credita todos os desfechos à ação coletiva, mais que à individual. E não apenas afirma, como demonstra, expondo seu raciocínio lógico, inclusive com exemplos simples.
Paralelamente, Tolstói já pulveriza em todo o texto, em diversos personagens - especialmente em Pierre e Mária - o seu entendimento religioso. Quem já leu "Minha Religião", obra do mesmo autor escrita já próxima de sua morte, depois que Tolstói se voltou fervorosamente para o catolicismo, poderá enxergar no texto de "Guerra e Paz", através dos devaneios de seus personagens, várias ideias contidas em sua obra sobre a religião.
A grande sacada é que Tolstói consegue, na mesma obra, abordar temas tão distintos, como romance, história da guerra, filosofia da guerra e teologia, dentre outros assuntos de menos destaque, de forma tão ordenada, tão bem elaborada, que mal se percebe a riqueza da obra enquanto se lê.
Guerra e Paz é talvez o livro que mais pode agregar a alguém, justamente por não se limitar a apenas um objeto. Assim, pode haver livros que agreguem mais como romance, como pode haver livros que agreguem mais em história da guerra, ou em filosofia de guerra, ou em teologia. Mas, ao mesmo tempo, com tanta profundidade, todos estes assuntos, acho muito improvável.
Ah, sim. Já me esquecia (afinal, como eu disse, mal nos damos conta da amplitude da abordagem): Há também feroz crítica à sociedade aristocrática russa, que é debulhada, dissecada, analisada e exposta ao leitor. Embora já muito diferente do que se vê por aí, ainda guardando muitas semelhanças com a sociedade atual.
Por fim, a leitura de Guerra e Paz não é uma leitura difícil, como "Ulysses", de James Joyce, ou mesmo "Crime e Castigo" de Dostoievski. Pelo contrário, é bem corrida e simples, até. Acredito que muitos consideram como de difícil leitura muito mais pela quantidade de páginas.
Tolstói, com Guerra e Paz, é o melhor exemplo que leitura edifica, engrandece, expande horizontes e diverte.