tbbrgs 18/03/2023
Guerra e Paz, Liev Tolstói
De fato, é desafiador escrever a resenha de um livro sobre o qual tanto já foi dito e cujo autor não foi somente um escritor, mas também um filósofo que buscou ao longo de toda a sua vida verdades que explicassem as ações humanas.
Comprei "Guerra e Paz" há cinco anos e demorei tanto para lê-lo principalmente por causa do número de páginas, mas, na realidade, a leitura em si não é nem de longe tão difícil quanto seu tamanho me levou a crer.
O livro aborda temas universais e atemporais, divididos basicamente em dois núcleos: o núcleo privado, ou seja, aquele que é contado pelo olhar da vida de alguns personagens de famílias da aristocracia russa (através de seus bailes, suas fofocas, suas intrigas, suas traições, seus relacionamentos, suas heranças, seus dilemas, etc.), e o núcleo público, aquele que é contado a partir da perspectiva de diversos historiadores, documentos, cartas e registros da época que se passou entre 1805 e 1820, esboçada ao longo da narrativa, período esse em que se travaram várias guerras em diversos territórios da Europa, visando a expansão do Império de Napoleão Bonaparte.
Tolstói, ao longo do livro, intercala esses dois núcleos de modo excepcional. Os personagens fictícios da aristocracia estão a toda hora defronte a personagens reais (participantes das decisões políticas, estratégicas e militares do período), como o tsar Alexandre I, o comandante em chefe Kutuzov, o general Bagration e até o próprio Bonaparte. Isso criou uma atraente coesão à história, ao trazer, por meio da criação de profundas personalidades para essas figuras históricas, uma maior humanidade a elas, e, assim, evidenciar que elas eram tão sujeitas a dilemas morais, dúvidas, emoções e erros quanto qualquer outro personagem fictício do livro, principalmente no que concerne a um assunto tão complexo quanto a guerra.
Ao mesmo tempo em que o escritor se utiliza da criação desses personagens aristocráticos para traçar uma crítica perspicaz e irônica ao seu estilo de vida, ele mantém uma postura firme de crítica, também, com relação aos diversos historiadores consultados por ele durante a produção da obra, que, com frequência, colocavam Napoleão como um gênio ou herói, no mais alto patamar da História. Essas críticas estão tão bem delineadas ao longo do livro que é como se formassem um terceiro núcleo. Por isso, é tão difícil - e até impensável - classificar "Guerra e Paz" dentro de uma simples categoria romanesca: ele contém características que vão muito além, como as páginas e páginas de reflexões filosóficas e de descrições minuciosas de batalhas.
Entretanto, o magistral desenvolvimento de alguns de seus personagens nos mostra que "Guerra e Paz" é também um romance excepcional. Eu particularmente fiquei encantada ao observar a evolução de Pierre Bezukhov, um dos personagens que mais cresceu ao longo da narrativa, cheio de nuances e camadas, e o núcleo da família Rostov foi definitivamente um dos meus favoritos da história, pois os laços afetivos criados entre seus membros me pareceram os mais genuínos. Além disso, me descobri inesperadamente envolvida na narrativa quando as cenas envolviam os acampamentos militares, os exércitos em marcha, os campos de batalha ou os soldados feridos: as descrições do narrador transmitiram de maneira inigualável a sensação da mais conturbada das batalhas e fizeram com que alguém leigo em termos militares, como eu, compreendesse melhor cada situação e se interessasse ainda mais por esse universo bélico e as motivações por trás de sua existência.
Caso você não queira ler o livro e esteja em busca de uma boa adaptação de "Guerra e Paz" para as telas, saiba de antemão que não irá encontrá-la. A experiência da leitura nunca será equivalente à experiência cinematográfica. Então, tudo o que foi dito, refletido, descrito e filosofado por Liev Tolstói nesse livro nunca será transmitido de maneira equivalente para uma tela. A experiência da leitura é única e insubstituível. Por isso, recomendo assiduamente que você leia o livro, ao invés de tentar absorver sua mensagem por meio de uma ou outra adaptação. Tolstói escreveu uma obra-prima, e muitos dos seus temas, dos seus questionamentos e de suas reflexões abordam problemáticas metafísicas que recursos visuais e sonoros dificilmente captam da mesma maneira.
Portanto, como conclusão, quero dizer que finalmente pude entender o hype de "Guerra e Paz". Afinal, ele não é apenas um romance sobre as polêmicas que envolviam as altas sociedades moscovita e petersburguense no início do século XIX: ele é também um retrato e um documento histórico acerca da realidade dessas duas capitais russas ao longo das guerras napoleônicas e da invasão da Rússia, além de servir como uma fonte inesgotável para as mais potentes reflexões em torno da natureza da guerra, do homem e da vida.