Tháh 04/02/2021
Jonas, a arte e a solidão.
Escrevi a resenha abaixo sobre uma dos contos (ou melhor, novela) contidos no livro para a disciplina de Literatura Francesa na graduação em Letras, cujo enfoque era a "mise en abyme" (ou a arte dentro da arte). Gostei tanto da novela que no ano passado comprei e li o livro inteiro, mas confesso que Jonas é, para mim, a melhor história do livro.
Jonas ou O Artista Trabalhando, novela de Albert Camus, publicada no livro O Exílio e o Reino, em 1957, retrata a história de Gilbert Jonas, um artista que recém descobre sua vocação para a pintura e rapidamente ascende, tendo boa aceitação do público, outros pintores e da crítica, criando admiradores que se tornam, inclusive, seus discípulos.
Casado com Louise, que se desdobra nos afazeres domésticos, cuidado com as crianças, filhos de ambos, e todas as outras situações da vida social, de forma a não atrapalhar o desenvolvimento de seu marido, e amigo de longa data de Rateau, que lhe dá preciosos conselhos, especialmente a respeito de seus discípulos, e quem preza muito por Jonas, são os vínculos familiares e efetivamente afetivo evidenciados ao longo da novela, únicos personagens coadjuvantes, inclusive, que possuem nomes próprios na narrativa.
Apesar de já estar ligado ao ramo das artes, uma vez que trabalhava junto à editora de seu pai, sua paixão de Jonas e o desenvolvimento de suas habilidades para com as artes plásticas se deu tardiamente, num momento em que se encontrava enfermo. Mas, otimista que era, tirou proveito daquele infortúnio, bem como, em seguida, dispensou à Louise atenção necessária, percebendo-a e apaixonando-se.
O reconhecimento por suas obras não tardou muito a chegar, tendo alguns artistas querido receber o mérito por tê-lo descoberto, bem como passou a receber pequena quantia em dinheiro em contrapartida de suas produções, culminando com um representante de Estado solicitando um outro pintor para retratar Jonas em seu ambiente de trabalho, o ápice do reconhecimento.
Com seu reconhecimento, vieram os admiradores, os discípulos, os críticos literários... enfim, toda a gente ligada ao ramo das artes. Enchiam seu ateliê – que também era o quarto, lugar de jantar, espaço compartilhado com família. Com toda humildade e carisma possível, aceitava convites, recebia os visitantes, passava horas a fio conversando com seus admiradores, aceitava as análises e criticas feitas por seus discípulos, coisas que jamais havia sequer pensado.
Assim, sua produção começa a cair substancialmente, uma vez que não tinha mais tempo de conciliar seu trabalho com os lazares. Entretanto, apesar de aceitar os convites e de estar rodeado de pessoas que, a priori, se diziam admiradores e amigos, não sentia-se confortável, pois admirava também a solidão, o seu momento particular, seu desenvolvimento e criatividade. Com a produção cada vez mais negligenciada, as criticas passaram a ser ruim, os discípulos e amigos se afastaram cada vez mais, deixando de apoiá-lo, não entendendo sua mudança de estilo. Aliás, isso é questionado por Rateau, que, incrédulo, exclama: "que criaturas estranhas, gostam de você como estátua, imóvel. Com eles, é proibido viver!".
Ironicamente, tais amigos eram quem o encaminhava à desgraça, querendo moldá-lo de acordo com suas expectativas, usurpar suas habilidades, sem entender suas particularidades, e posteriormente o criticar, abandoná-lo.
A partir de então, Jonas, caído em desgraça, passa a trabalhar incessantemente, buscando recuperar o tempo perdido, dedicando-se completamente às artes, isolando-se completamente até mesmo de seu amigo mais fiel e de sua esposa e filhos, sobrecarregando e cobrando-se, contemplando, desgostoso, a solidão.
Tais situações plantaram em Jonas sentimento de ser alheio ao seu meio, uma vez que, rodeado de talentosos artistas e especializada crítica, às vezes sequer sentia-se capaz de explicar suas próprias criações, até porque não via sequer motivo em explicá-las, já que a arte estava inerente ao seu ser, tal como, dividia-se entre ser carismático e solícito, não recusando convites, até mesmo para que pertencesse ao seu meio, sendo complacente à ele, renegando seus próprios anseios, cobrando-se posteriormente pelas próprias expectativas. Um excelente impasse pessoal e existencial, da profissão artística e da condição humana, os tênues limites entre o ser o que se quer e o que se é imposto, bem como as frustrações pessoais.