Gisele @abducaoliteraria 25/06/2018A menina que queria tanto suas asas que acabou mudando o mundo"Porque depois que você experimenta voar,
Passa a andar pela terra com os olhos postos no céu;
Pois terá estado lá,
E sentirá vontade de voltar".
? Leonardo da Vinci
Santuário dos Ventos, escrito por George R. R. Martin e Lisa Tuttle, é um dos lançamentos recentes da editora Leya. Quando se trata de George R. R. Martin, um dos responsáveis por eu gostar tanto de livros de fantasia, qualquer título que leva o seu nome naturalmente me chama atenção.
O Santuário dos Ventos é um mundo que apresenta um compilado de ilhas pequenas e espalhadas, com uma atmosfera tempestuosa. Por conta da distância que cada ilha tem entre si, do clima de ventos fortes e criaturas monstruosas marítimas, voar é o principal recurso para manter a comunicação entre a população. As asas de um voador são feitas de metal, construídas a partir dos destroços da espaçonave responsável por toda a vida no Santuário dos Ventos.
Com o tempo, os voadores começaram a ganhar fama e prestígio. Eles são apresentados como uma sociedade de elite e não respondem aos governantes. Grande parte da população se anima ao vislumbrar um deles planando sobre as praias, com suas asas metálicas reluzindo sob a luz do sol. Era assim que Maris, uma garotinha, se sentia sempre que via um voador deslizando diante dos seus olhos. A ansiedade e a empolgação tomavam conta dela, e tudo o que ela mais desejava era poder sentir a sensação de voar. De ser uma voadora.
Mas isso não seria possível. Entre Maris e o seu sonho de voar, havia também a antiga lei dos voadores, declarando que o direito de voar é hereditário; portanto as asas são passadas de pai para filho. A esperança de Maris se acende quando um voador afetuoso decide adotá-la, e com isso ensiná-la a voar. A garotinha decide agarrar a oportunidade e cresce ganhando os céus, conhecendo lugares diferentes e deslizando por correntes fortes de ventos, mas com a realidade amarga de que em algum momento, ela terá que passar as suas asas para Coll, o pequeno e legítimo filho de seu pai de criação.
Este é o conflito que incendeia e dá início à trama de Santuário dos Ventos. De um lado, temos a tradição, e do outro, um espírito rebelde, ávido por mudanças. A partir do momento que Coll não sente a mínima simpatia com a ideia de voar, Maris não pretende desistir fácil de suas asas. Ela decide confrontar a sociedade e suas leis, com a proposta de que voadores sejam escolhidos por mérito, não por herança.
Ao me deparar com este plot, automaticamente trilhei a jornada de Maris dentro da minha cabeça, e imaginei que todo o livro dependeria de sua busca. De certa forma, posso dizer que não estava completamente errada, mas o livro tem uma proposta diferente e apresenta rumos inesperados. Ele é dividido em três partes, todas com seus arcos fechados, mas que se conectam. A frente de cada arco, temos Maris como a personagem de destaque, e com ela os pontos de mudanças que prometem transformar para sempre o Santuário dos Ventos. O ponto alto da trama é o cenário político e social, e sua maior questão não é só apontar a necessidade da mudança, mas também as consequências de adaptação que vem com ela.
"Pelo tempo em que essa canção for cantada eles saberão de você, a menina que queria tanto suas asas que acabou mudando o mundo".
O desenvolvimento de Maris no decorrer da história é muito interessante. Ela é uma personagem com sonhos e força para correr atrás deles, mesmo que isso signifique abalar toda a sociedade. Você é capaz de sentir o que voar representa para ela, porque a cada voo ela se entrega aos ventos de coração. Acompanhamos a sua trajetória desde criança, vemos sua evolução e o que as mudanças provocadas pelo tempo faz com a sua personalidade quando ela amadurece. Ela passa de uma jovem sonhadora, rebelde e ao mesmo tempo inocente, para uma mulher forte, mais experiente e que sabe exatamente como agir. Com isso, também passamos a acreditar com muita facilidade em tudo o que sua imagem de revolução representa para as pessoas.
?Por um segundo, ou menos que isso, ela caiu, mas depois os ventos a pegaram, como se dedilhassem suas asas, fazendo-a subir, transformando seu mergulho num voo, um choque que a deixou ruborizada e sem fôlego e com a pele formigando. Naquele momento, o pequeno intervalo de menos de um segundo fez tudo aquilo valer a pena. Era melhor e mais emocionante do que qualquer sensação que Maris tivesse experimentado, melhor que o amor, melhor que tudo?.
Alguns outros personagens cativantes aparecem no decorrer da história. Um deles é Val Uma-Asa, o tipo de personagem que eu mais gosto, complexo e difícil de compreender. Em diversos momentos eu me vi dividida entre gostar ou odiar o personagem, enquanto quebrava a cabeça para entender as suas ações e motivações. Por consequência disso, e também por ser o plot mais intrigante e inesperado, a parte dois é a minha favorita do livro.
O Santuário dos Ventos não é uma história de fantasia propriamente dita, ela também apresenta muitos elementos de ficção científica dentro da sua construção de mundo. Desde o início da leitura, me senti muito curiosa sobre como o mundo realmente funcionava, e ansiei por descobrir mais. Os elementos históricos são apresentados aos poucos, apenas para compor o plano de fundo do enredo. Então me vi pescando as informações que eram dispostas de forma sutil, em alguma canção, ou durante uma conversa. Mas não foi o suficiente para mim, eu precisava mais desse mundo.
O epílogo é ótimo, tranquilo e ao mesmo tempo agridoce, como o final de uma incrível jornada deve ser. Você não quer se despedir dos personagens, nem daquele universo, então finaliza o livro com aquele gostinho de quero mais. Recomendo não só para fãs de Gerorge R. R. Martin, mas também a leitores que apreciam os gêneros citados e uma boa jornada atemporal. Ótimo leitura!