O Auriga

O Auriga Mary Renault




Resenhas - O Auriga


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Daniel 05/04/2019

Entre Dois Amores
Em primeiro lugar, este título estranho. O que é auriga?? O original é The Charioteer, que poderia ser traduzido por outra palavra mais conhecida como cocheiro. Porém o significado é mais específico: na antiguidade greco romana o auriga era o condutor de biga. Em Fedro, Platão fala sobre o mito do auriga, que conduz uma biga puxada por dois cavalos alados, um branco e um negro. O cavalo branco representaria o impulso racional ou moral, e o cavalo preto as paixões irracionais. O auriga representaria o intelecto, a razão ou a parte da alma que deve guiar o espírito à verdade.

O livro começa com um episódio da infância do protagonista, Laurie Odell, quando seus pais se separam e seu pai vai embora. No segundo capítulo ele é um adolescente, e novamente há outro abandono: Ralph, um monitor por quem ele se afeiçoa, está deixando a escola por um motivo que só se saberá mais tarde. A partir do terceiro capítulo a ação se passa durante a Segunda Guerra Mundial. Laurie agora é um soldado ferido em combate e está internado num hospital militar inglês, se recuperando de um grave ferimento na perna. Aí ele se apaixona por Andrew, ajudante no hospital que se recusou a participar da guerra por motivos morais e religiosos, e está submetido a uma pena de trabalhos forçados.
Numa das saídas do hospital para fazer fisioterapia, Laurie termina o dia numa festa de aniversário, convidado por um médico, onde todos os convidados são gays. E gays de todos os tipos, com graus diferentes de aceitação e demonstração da sua orientação sexual. Ou seja: dos mais enrustidos aos mais assumidos. Nesta festa Laurie vai reencontrar Ralph, sua paixão de adolescência, de quem tinha ganhado um livro: Fedro! Ao contrário do protagonista Laurie, que é cheio de receios e inseguranças, Ralph é um personagem super bem resolvido. E assim, classicamente, Laurie fica dividido entre dois amores.

Mary Renault é uma escritora incrível. Sua prosa é agradável, direta, e cheia de significados nas entrelinhas. É surpreendente ler com tantos detalhes, por exemplo uma festa gay em plenos anos 40, onde era possível que homens homossexuais criassem laços de amizade ou namoro com outros gays, apesar do ciúme e mexericos tão comuns nestes círculos. Lembrando que a homossexualidade só deixou de ser crime na Inglaterra nos anos 60! Fico imaginando como deve ter sido incrível para um jovem leitor, descobrindo sua sexualidade, se deparar com este livro! Ele foi publicado, corajosamente, no COMEÇO DOS ANOS 50, em tempos tão complicados para quem não era heterossexual... Não era só complicado, era crime! O enredo mostra que seria possível sim, num tempo em que isso era inimaginável, viver com amor e com dignidade. A trama me lembrou um pouco outro livro gay, A Cidade e o Pilar, do Gore Vidal, publicado no mesmo período.

Eu nunca tinha ouvido falar sobre este livro, nem sobre sua autora. Ela era uma enfermeira que mais tarde se tornou uma escritora de sucesso, escrevendo principalmente romances históricos ambientados na antiguidade. Com o dinheiro de seus trabalhos publicados ela deixou a Inglaterra e foi morar com a sua companheira na África do Sul, onde pode viver em plenitude.

Uma pena que, pelo menos aqui no Brasil, este livro não tem o reconhecimento que merece. Mas segundo a Wikipédia, embora The Charioteer não tenha sido classificado entre os 100 maiores romances gays e lésbicos compilados pelo The Publishing Triangle em 1999, ele foi classificado como número 3 entre os 100 melhores dos visitantes do site.
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