Luísa Coquemala 06/04/2017
O que dizer sobre o Satíricon? Antes de tudo, acho necessário dizer que o Satíricon não é um livro fácil ou imediato. No meu caso, por exemplo, acredito que tenha subestimado o livro e agora, relendo-o, tenha entendido um pouco melhor sua magnitude.
É claro que por ter uma estrutura fragmentada e construção diferente do que estamos acostumados, não é um livro que imediatamente arrebata o leitor, o traz para dentro da leitura. É necessário um pouco de esforço para entender (ou até supor) o que está acontecendo, o que as partes perdidas poderiam esconder.
Mas há, sobretudo, duas coisas que me encantam no livro - e que, acredito, estão relacionadas. É sobre elas que eu gostaria de falar.
Primeiramente, o Satíricon, quando olhamos de perto, faz referência a uma série de estilos diferentes - satirizando-os na maioria dos casos. Os dois estilos onde isso se torna mais imediato são a epopeia e o romance grego. Em relação aos romances gregos, temos o triângulo amoroso Encólpio-Gitão-Ascilto (depois Eumolpo) como sátira aos casais sempre apaixonados desses romances; quanto às epopeias, temos não apenas pequenas referências particulares (Gitão se escondendo embaixo de uma cama como Odisseu em uma ovelha para fugir do Ciclope, uma guerra falida narrada em estilo épico, o reconhecimento de Odisseu aqui transportado para o pênis de Encólpio), mas também a estrutura vem à tona: Encólpio ofendeu o deus Príapo e, basicamente, o livro fala da peregrinação do jovem para expiar seu pecado. Para tanto, seguido pela cólera do deus, a personagem vai se deparar com várias aventuras que, apesar de parecem isoladas, constroem o todo para sua expiação - lembrando, é claro, a estrutura da famosa Odisseia. Ademais, tudo está sempre recoberto de lascívia: temos orgias, cenas de voyeurismo e Encólpio, para ser punido, torna-se temporariamente impotente.
E, apesar de uma representação cômica de personagens que não são nobres de sangue (a maioria delas são personagens que cresceram na vida, como o ex-escravo Trimalquião), o que demonstraria, para Auerbach, um certo limite no realismo do livro, Satíricon se mostra, ao mesmo tempo, surpreendentemente moderno! Pois o que Petrônio fez, no fundo, ao satirizar os estilos conhecidos (e, em dado momento, as próprias regras poéticas de Horácio) é reivindicar, para tempos novos, uma nova representação - e não uma representação qualquer, mas uma viva, recheada de crítica e originalidade. E isso traz, também, um caráter interessante para a própria história do romance! Pois, pensando em Satíricon, vislumbramos a ideia do romance que nasce como um gênero contestador de uma poética rígida e, além disso, como um gênero que subverte outros - estacionários, cujo modelo era ensinado e repetido exaustivamente na educação da época.
Algo novo, inteiramente novo. Um sopro de ar fresco que nos ajuda a vislumbrar coisas que viriam séculos depois. Eis Satíricon.