Ingrid_mayara 16/01/2019
Violência mascarada, vozes silenciadas
Quem nunca ouviu falar da expressão “coisa de mulherzinha”, ou, neste caso, “comida de mulherzinha”? Geralmente, essas duas expressões estão vinculadas ao que consideramos como fraqueza ou bobagem. Eu, que já trabalhei em supermercado, por muitas vezes presenciei esse diminutivo. Além disso, reparei que no decorrer da semana as mulheres costumam comprar os itens de cesta básica, vegetais e laticínios. Nos fins de semana, as filas enchem de homens comprando itens de churrasco e bebidas alcoólicas. Já reparou que homens também são chamados de “mulherzinhas” quando preferem alimentos menos gordurosos? Daí você pode estar pensando: “ok, mas o que isso tem a ver com esse livro?”.
Já ouvi diversos relatos de mulheres que não comeriam carne se não fosse pelo hábito de fazer a refeição para a família toda. Assim como já vi e ouvi mulheres dizendo que a parte maior da carne vai sempre para a pessoa que mais necessita: o homem da casa. Nesse livro, a autora conta algo que eu já sabia: há homens que usam a falta de carne (ou de outros alimentos) como pretexto para comportamentos violentos. Alguns começam a violentar animais domésticos, depois violentam mulheres.
É interessante como as pessoas relacionam o ato de comer carne com a força física, se na maioria das vezes essa mesma carne vem de um animal herbívoro! É interessante notar que em inglês, usa-se “it” para diferenciar os seres humanos de coisas e animais, mas, segundo a autora, certos animais perseguidos para a caça são chamados de “she”. Falando em caças, você já ouviu a expressão “sair pra caçar” querendo dizer “procurar mulheres para se relacionar sexualmente?” Já ouviu alguma mulher dizendo que se sentiu como um pedaço de carne?
Você já reparou o quão espantadas ficam as crianças ao descobrirem a origem do bife que insistem que ela coma? Como você se sentiu ao ver um animal morto pela primeira vez? A autora desse livro conta como as pessoas se acostumam a ver animais mortos e vão perdendo a sensibilidade, quase ao ponto de não sentirem compaixão. Ela fala também como nós alteramos a linguagem para distanciar vitela, por exemplo, de cadáver de bezerro anêmico. É incrível como nas propagandas de queijo e leite as vaquinhas estão felizes, né? E as galinhas sorridentes das embalagens de empanados?
Poucas pessoas que eu conheço sabem como é feita a salsicha ou o hambúrguer, muito menos quais são todos os processos que os envolvem desde o nascimento e abate dos animais. Isso tiraria o apetite, claro. Enquanto isso, há pessoas pelo mundo que nunca precisaram da proteína animal.
Além de tudo isso, há a questão ambiental. Quantas árvores serão cortadas para darem lugar a um novo pasto? Até quando a Amazônia será prejudicada pela pecuária? Até quando o agronegócio causará o desmatamento, o genocídio indígena, a exploração animal e tantos outros problemas?
Quantos litros de água ainda serão gastos apenas para que nós, seres humanos, tenhamos o prazer de comer um hambúrguer? Por que, no dia da água, fazem o aluno se sentir culpado por tomar banho todos os dias, se são utilizados mais de mil litros de água na produção de um litro de leite?
Carol J. Adams me conquistou ao abordar todos esses assuntos — e outros — para explicar como funciona a política sexual da carne na nossa sociedade patriarcal. Um dia vou reler este texto e me lembrar do livro que mudou a minha vida. Foram duas semanas de leitura, muitos documentários e algumas lágrimas.
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