Luize51 14/06/2017
Vidas Secas foi uma obra que nasceu a partir de um conto entitulado "Baleia". Devido ao enorme sucesso, Graciliano Ramos escreveu outros contos para o restante da família e os transformou nesse pequeno romance. Percebemos que o romance não segue a ordem em que os contos foram escritos e, assim, também conseguimos compreender o protagonismo da cachorra Baleia, já que foi o conto que mais fez sucesso e que inspirou o autor, posteriormente, a escrever Vidas Secas. O livro, portanto, divide-se em capítulos/contos focados em cada membro da família : Fabiano, Vitória, o menino mais velho , o menino mais novo e a cachorra baleia. E segue uma sequência lógica tal que o leitor que desconhece a origem da obra sequer se apercebe que se trata de uma reunião de contos.
Acompanhamos o percurso dessa família de sertanejos em meio à seca, já calejados da vida de miséria e de opressão, mas sempre acalentando o sonho de um futuro melhor .
Fabiano sonha ser respeitado e falar bonito feito seu Tomás, pois o que ele mais deseja é ser compreendido, no entanto não sabe se expressar a tal ponto, vivendo explorado e humilhado, muito embora compreenda que não está direito o modo como é tratado pelos patrões e pelo Estado. Sentindo-se encolhido perante os outros, tolhido por sua falta de jeito com as palavras, Fabiano prefere os bichos às pessoas, pois ele próprio se sente como um bicho.
E em muitas passagens notamos que Graciliano animaliza o personagem, posto que só mesmo feito bicho, desumanizado, o homem sobrevive àquela existência árida. Essa desumanização chama ainda mais a atenção do leitor para a condição miserável do sertanejo:
"você é um bicho, Fabiano. Isto para ele era motivo de orgulho. Sim, senhor, um bicho, capaz de vencer dificuldades"
"Duro, lerdo como tatu. Mas um dia sairia da toca, andaria com a cabeça levantada, seria homem (...) Não , provavelmente não seria homem: seria aquilo mesmo a vida inteira, cabra, governado pelos brancos, quase uma rês na fazenda alheia"
"Era como um cachorro, só recebia ossos. Por que seria que os homens ricos ainda lhe tomavam uma parte dos ossos?"
Por outro lado, os animais são humanizados , com o mesmo intuito: para que o leitor sinta mais a fundo o sofrimento daqueles bichos que também tanto sofrem em meio à seca. Até a cachorra Baleia, enquanto caminha para a triste sina de quem vive no sertão, sonha, ainda no último instante, com uma vida melhor:
"Coitado do cavalo. Estava magro, pelado, faminto. E arredondava uns olhos que pareciam de gente"
"Baleia queria dormir. Acordaria feliz, num mundo cheio de preás. E lamberia a mão de Fabiano"
Fabiano conforma-se com sua ignorância e com seu destino de sertanejo: " Que fazer? Podia mudar a sorte? Se lhe dissessem que era possível melhorar a situação, espantar-se-ia. Tinha vindo ao mundo para amansar brabo, curar feridas com rezas, consertar cercas de inverno e verão. Era sina. O pai vivera assim, o avô também".
Já Sinhá Vitória não deixa de sonhar com uma cama , igual a de seu Tomás,esse é o seu maior sonho, pois tudo o que ela queria era deixar de dormir em varas, vislumbrando um futuro melhor para si e para seus filhos. À primeira vista parece um sonho pequeno, de tão palpável que é, afinal ela só desejava uma cama, porém a cama, na verdade, representa tudo: ser gente e deixar de viver fugindo da seca, feito bicho, de fazenda em fazenda. A cama simboliza não apenas a dignidade, mas também o fixar-se à terra. Uma metáfora para o sonho de todo sertanejo.
"Por que não haveriam de ser gente, possuir uma cama igual à de seu Tomás da bolandeira? (...) por que haveriam de ser sempre desgraçados, fugindo como bichos?"
O desfecho do livro muito me agrada, porque a narrativa findar como começou, escancara ao leitor a dura realidade: aquelas vidas sempre serão secas, porque o problema é cíclico.