Gisele @abducaoliteraria 14/10/2018Quem já experimentou uma pitada de Becky Chambers sabe o que esperar de um livro seu. Iniciei a leitura de A Vida Compartilhada em Uma Admirável Órbita Fechada com a melhor das expectativas, querendo muito reviver todos os bons sentimentos que o primeiro livro da série Wayfarers me despertou.
Sinto que esse livro teve um papel especial para mim, porque houveram momentos difíceis em que eu quase não conseguia ler nada, e somente ele foi capaz de prender a minha atenção. Existem dias em que você se sente exausto, tanto físico quanto mentalmente. E não há nada mais precioso do que chegar em casa e ter um momento de refúgio, onde você tem a oportunidade de se distanciar da realidade e conhecer outras possibilidades.
Becky Chambers tem o poder de oferecer isso e também vai além. Suas palavras curam, desatam aqueles nosinhos do peito e aquecem o coração. Apesar da história seguir uma linha diferente do primeiro livro, o resultado com relação a essa leitura não foi muito diferente, porque ela foi capaz de trazer as mesmas sensações. E nesse momento, era tudo o que eu mais precisava.
"Por algum motivo, ficar ali fora, olhando para as estrelas, deixou tudo um pouco melhor. Não fazia sentido em sua cabeça, mas fazia sentido no estômago dela. Ela olhou para as estrelas e soube que todas as suas perguntas seriam respondidas, todas as coisas seriam consertadas".
O primeiro ponto sobre essa história é que ela pode ser lida de forma independente, porque não é uma continuação direta do livro anterior. Você irá conviver e conhecer melhor personagens que já são familiares, mas que não faziam parte do elenco central. Para quem ainda não leu o primeiro livro, pode decidir começar por este, o que sinceramente não recomendo, porque seguir a ordem cronológica da história será muito mais interessante. Já para quem leu, vocês se lembram de Lovelace?
Lovelace era a Inteligência Artificial da nave Andarilha. Após alguns acontecimentos conturbados ela decide transferir sua consciência para um kit corporal - um corpo humano sintético, mas absolutamente realista - com o intuito de recomeçar. Agora se chamando Sidra, ela conta com a ajuda de Sálvia, engenheira que conduziu a transferência e também sua única amiga. Além de lidar com o fato desse processo ter sido ilegal, Sidra se esforça para se adaptar ao novo corpo e à nova realidade, isso inclui suportar uma visão e um corpo extremamente limitados em comparação ao que ela estava acostumada.
Por outro lado, também temos a oportunidade de conhecer um pouco mais sobre Sálvia, e particularmente, é aí onde mora a maior surpresa. Desde o livro anterior as pequenas aparições de Sálvia sempre foram muito bem-vindas, principalmente por causa do seu bom-humor e sua disposição em querer ajudar. Mas sempre tiveram algumas coisas sobre ela que despertavam curiosidade, como suas motivações. Aqui, retornaremos para a sua infância, e a história segue intercalando entre o presente de Sidra e o passado de Sálvia.
"Tenho tantas perguntas para fazer. Você me fez pensar em várias coisas que nunca considerei. Não é nada agradável perceber que você estava enganada sobre algo, mas acho que isso é positivo de vez em quando".
É incrível como as duas histórias se aproximam e vão se conectando ao longo da narrativa. Becky Chambers cria suas tramas com muita originalidade, sem a presença de um grande vilão ou um clímax de tirar o fôlego. Ela apenas cria personagens excepcionais e trilha seus caminhos de amadurecimento. Eu amo como ela usa o sci-fi como pano de fundo, com um universo amplo e sólido, pra lá de bem construído, que nos faz sonhar diante de tantas possibilidades.
Mas o foco, indiscutivelmente, está nos personagens e nas questões que ela levanta durante a construção deles. Questões atuais, que precisam ser exploradas cada vez mais, como preconceito, gênero, igualdade, pertencimento e liberdade de escolha. E Becky aborda esses temas com uma sensibilidade que emociona, mostrando como tudo pode ser mais compreensível; simples.
Sidra e Sálvia têm vidas muito diferentes, ao mesmo tempo que compartilham de uma coisa em comum: as duas foram criadas e destinadas a servir. A partir do momento que elas quebram esse propósito e tomam as rédeas do próprio destino, a princípio a situação parece assustadora. Portanto, A Vida Compartilhada em uma Admirável Órbita Fechada é um livro sobre amadurecimento. Sobre descobrir quem você é e a qual lugar pertence.
Becky Chambers é oficialmente uma das minhas autoras favoritas. Suas histórias, além de diferentes, me emocionam de uma forma que poucos livros conseguem. Se você se sente pronto para encará-las, se prepare para se apaixonar por seus personagens, que são reais e incríveis. Se prepare também para aprender, expandir sua mente e aceitar todos os caminhos que ela tem para te mostrar. Já estou ansiosa pelo próximo livro. Por favor, leiam essa autora!
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