MatheusPetris 11/04/2021
O bilhete que alcança o espírito
A crítica, comumente considera Félix como um rascunho de um dos personagens mais famosos da literatura brasileira: “Bentinho”. Se pensarmos nos versos de Shakespeare que inspiram o romance e o próprio Machado cita, “nossas dúvidas são traidoras e nos fazem perder o que, com frequência, poderíamos ganhar, por simples medo de arriscar”, nos lembraremos (guardada as devidas proporções) de Bentinho. Entretanto, ao contrário dele, Félix não vive um longo casamento semeado pela dúvida e pelos ciúmes, suas paranóias não permitem. Félix, não confia em ninguém, duvida de todos ao seu redor e, até o momento que se apaixona por Lívia, do sentimento do amor. Ela, em um diálogo quase no fim do livro, resume bem isso: “As dúvidas o acompanharão onde quer que nos achemos, porque elas moram eternamente no seu coração.”
No apêndice do livro, Machado sintetiza perfeitamente um aspecto central do romance: “Não quis fazer romance de costumes; tentei o esboço de uma situação e o contraste de dois caracteres”. Esses contrastes de que fala, geram vários encontros e desencontros. No entrechoque de algumas personagens, se pavimenta o caminho de outras.
Pensemos, primeiro, no antagonismo dos irmãos: Lívia e Viana. De personalidades e objetivos completamente diversos, possuem em algum nível, uma relação com Félix. E ambos, de certo modo, se auxiliam nessas relações. Já, no entrechoque das duas enamoradas por Félix, Raquel e Lívia, encontraremos as respostas para o coração e as pedras sendo cuidadosamente postas para chegarmos ao final da narrativa. Na colisão de Meneses e Félix, se estabelece uma amizade e uma mudança, fazendo com que Félix se arrependa e mude de opinião. Félix, que não crê na sinceridade dos outros (palavras dele), quer acreditar na sua própria.
Essas oposições que menciono são curiosas. Félix e Meneses, Lívia e Raquel, são oponentes, mas se comprazem, se apoiam. Mesmo que possuam objetivos claros e individuais, se acolhem. Enquanto Lívia é uma mulher madura, com um filho, Raquel é uma moça pueril e ingênua. E estas características, geram anseios uma na outra. Sendo assim, não são apenas “duas personagens” que são contrastadas, mas várias.
Existe uma semente que é lançada nesses embates em dois momentos da narrativa, e essas sementes são plantadas através de um bilhete. Em ambos, não apenas germinam, como geram uma multiplicidade do derramamento romântico e assaz doloroso da trama. Em um deles, a abertura da alma pelas linhas, um sentimento sincero e puro. Já no outro, um perfídia, uma jogada maléfica.
Todavia, o xeque-mate sofrido por Félix, talvez, só venha a reavivar as profundezas de sua total falta de confiança no outro. Se, procura se isolar para fugir dos outros e se encontrar consigo, é por ser a única saída para um cético inveterado e infeliz, que escolhendo duvidar, deixou de abraçar aquilo que poderia ter lhe confortado.