spoiler visualizarThaAne.Sell 03/07/2024
Estudos devassos
Resenha de Devassos no Paraíso
Nesta resenha, trarei um breve resumo de todas as 10 partes do livro. Além disso, trago um convite à leitura deste livro tão necessário, não apenas por sua importância histórica e social, mas também pela escrita provocante do autor.
Logo nas notas iniciais, João Silvério Trevisan traz uma breve explicação sobre o porquê do uso de certos termos que, para leitores atuais, podem parecer ultrapassados ou, numa leitura rápida, ofensivos. Durante toda a obra, Trevisan utiliza a grafia guei, diferente de gay, que estamos acostumados. Esse uso é opção do autor, por considerar mais adequado ao idioma e sua gramática. Ele mantém, também, o uso do masculino para se referir a travestis, que usam o feminino, para manter o enfoque histórico em que o livro foi escrito.
Na parte 1 do livro, intitulada "Abrindo o portal do paraíso", o autor fala muito sobre identidade, que é um assunto que acaba perpassando toda a leitura. A parte é composta por 4 capítulos, que versam sobre o "ser homossexual", o "ser brasileiro" e no que implicam essas identidades. Nesses capítulos, somos apresentados a questões de identidade homossexual, sobre a ideia de desejo e como ela é presente na sociedade, principalmente brasileira. O autor versa também sobre o espírito nacionalista brasileiro, que mostra com orgulho alguns aspectos culturais que são, na verdade, fragilidades. "É falacioso identificar o sujeito inteiro exclusivamente por um determinado modo de ser; ou seja, transformar em substantivo aquilo que de início era adjetivo qualificativo." (Trevisan, 2018, p. 35)
Na parte 2, "O Brasil visto da lua", constituída de 3 capítulos, fala sobre o Brasil visto pelos estrangeiros, desde a colonização. Trevisan fala sobre os hábitos sexuais indígenas, e como os portugueses os viam. Além disso, fala sobre os estrangeiros que visitaram o Brasil no intuito de estudá-lo e acabavam "desfrutando" de suas liberdades. Há vários relatos de homens que vieram para o Brasil. Quanto às mulheres, nessa parte não há muitos relatos. Apenas o famoso caso de Elisabeth Bishop e sua companheira. "É impossível não notar os contrastes com as experiências homossexuais conhecidas de homens estrangeiros no Brasil. Mesmo quando existencialmente viscerais, os relatos masculinos resumiam-se, com algumas excessões, em choques, dilaceramentos e até violência. Neles, a relação amorosa quase sempre submergia ao impacto sexual de conotações culpadas." (Trevisan, 2018, p. 103)
A parte 3, "A Santa Inquisição descobre o Paraíso", conta a história da homossexualidade no Brasil colônia e de como aconteceram os julgamentos da inquisição católica em território brasileiro. Os 6 capítulos que compõem essa parte versam sobre a fama que o Brasil tinha desde a colônia de promiscuidade, sobre a presença das doenças venéreas na população, sobre feriados religiosos, de uma religiosidade hedonista. Ainda pensando nisso, é explorada também a vida sexual ativa de membros do clero, padres, freiras etc. A inquisição é o principal ponto abordado nesta parte. Há um grande número de relatos de atividades sexuais e "sodomitas" julgadas pela inquisição, principalmente de senhores de engenho. Relatos de confissões e suas punições estão presentes nesses capítulos. "As punições da inquisição brasileira foram as mais variadas. Havia jejuns obrigatórios, orações especiais, retiros, uso de cilícios, multas e dinheiro e açoites, para as penas mais brandas. Nos casos considerados mais graves, a punição materializava-se em confisco de bens e degredo para outras cidades e estados do Brasil ou países da África, além de trabalhos forçados nas galés. variando a quantidade de anos conforme a culpa." (Trevisan, 2018, p. 149)
Em "Um mundo novo nada admirável", quarta parte deste livro, somos apresentados à história da homossexualidade no Brasil dos séculos XIX e XX. Nos 7 capítulos dessa parte, vemos a homossexualidade sendo julgada não mais pela religião/igreja, mas sim pela ciência. Temos a visão da elite/política se formando sobre os homossexuais, além do código penal sobre a homossexualidade. O "combate" à homossexualidade começa a se tornar assunto científico e começa a ser tratado como uma doença, no século XIX e XX. Nessa parte, Trevisan começa a falar brevemente sobre a arte e a homossexualidade, trazendo como exemplo João do Rio. Trevisan fala também sobre punições e aprisionamento de homossexuais no século XX. Nos últimos capítulos dessa parte, o autor traz a questão da homossexualidade em diversos contextos dentro de tribos indígenas, assim como a presença de certa fluidez de gênero em algumas delas. "A ideologia higienista deu um passo adiante em relação aos métodos da Inquisição, que praticava um controle relativo. Agora, pretendia-se o exercício de um controle através e em nome da ciência, que a tudo presidia com uma suposta aura de neutralidade" (Trevisan, 2018, p. 170)
Na parte 5, "A arte de ser ambígua", somos apresentados à arte guei brasileira. Cada capítulo dessa parte foca em uma expressão artística diferente. O primeiro e, acredito que o que mais se destaca, é o teatro. No segundo, somos apresentados à literatura homossexual brasileira, que conta com autores dos quais muitos não conhecemos as histórias. Seguindo, Trevisan fala novamente sobre teatro, então música, cinema e televisão. "A experiência homossexual se imiscuiu muito mais visceralmente nos textos teatrais do que nas páginas literárias, em se tratando de Brasil " (Trevisan, 2018, p. 260)
A parte 6, intitulada "A manipulação da homossexualidade liberada", dividida em 5 capítulos, fala sobre a criacão de grupos ativistas dentro da comunidade LGBT. Há também uma crítica ao ativismo partidário. Neste capítulo, temos a apresentação sobre a revista Lampião, da qual Trevisan foi um dos fundadores. Há uma forte crítica à esquerda partidária e seu pouco caso com as lutas de minorias. Outro aspecto abordado nesta parte do livro são os discursos gueis dentro das universidades e, novamente, sobre a identidade guei. Pensando na década de 1990, Trevisan mostra as inovações no mercado, que eram mais abertas a questões gueis. Fala sobre a formação da sigla GLS e sobre a primeira parada GLBT/LGBT. "Do ponto de vista da esquerda ortodoxa, as chamadas 'minorias' apresentavam temas espinhosos. E, para nós das 'minorias', a sensação era de estarmos prensados num círculo de ferro, à direita e à esquerda." (Trevisan, 2018, p. 316)
A parte 7, "Já temos um passado", com 4 capítulos, somos apresentados a algumas questões de grande importância, como a ideia do carnaval como um lugar em que se usa o gênero como fantasia. As pessoas se fantasiam de um ou outro gênero, enquanto fora do contexto carnavalesco, esse ato é visto com repulsa por uma grande parte da população. Fora do carnaval, vemos a vida incerta que leva uma travesti. Nesta parte do livro, temos relatos de violência e tragédia que ocorrem contra homossexuais e travestis. As travestis principalmente, por terem uma aparência considerada desviante daquilo que a sociedade chama de normal. Há relatos também de prostituição e a saída de travestis do país para tentar uma vida melhor com a prostituição em outros lugares, principalmente Paris. "nenhuma outra forma simbólica domina tão completamente o festival (do Carnaval) quanto o travestismo. Por isso mesmo, os travestis profissionais tornaram-se personagens tornaram-se personagens centrais nas festas carnavalescas, indo compor alas das escolas de samba mais tradicionais e, frequentemente, merecendo destaque em seus carros alegóricos." (Trevisan, 2018, p. 362) "A gente entra naquele carro e nem sabe se vai voltar." Fala de Rogéria.
A parte 8 "Paraíso perdido, Paraíso reencontrado" com 4 capítulos, apresenta a ideia da aids associada diretamente à homossexualidade. Nesta parte do livro, somos apresentados à história da proliferação da aids nos anos 80, e o pânico causado pela doença na sociedade. Esse pânico fez com que houvesse muitos ataques, físicos e psicológicos, contra homossexuais, por se acreditar que eles eram os causadores da doença. Volta, com isso, a ideia de precisar haver uma cura para a homossexualidade. Outro ponto que esta parte do livro levanta é a ideia de que os homossexuais só são aceitos quando dentro de um padrão heteronormativo. "A epidemia da aids foi de imediato associada à peste. no decorrer da história, o imaginário coletivo sempre encarou as doenças em massa como castigos impostos. Tal ideia caiu como uma luva no caso da aids." (Trevisan, 2018, p. 399)
Na parte 9 "O retorno do Deus punitivo", composta de 6 capítulos, o autor fala sobre a ascensão da direita e da bancada evangélica no contexto político brasileiro. É abordada a questão da cura gay, além do poder legislativo que a câmara tem sobre a questão da homossexualidade. Há novamente uma crítica à esquerda partidária, que acaba se unindo às ideias da direita por conveniência. Trevisan fala sobre a repressão sofrida pela comunidade LGBT na arte, assim como sobre a violência mascarada de vontade divina feita pelas autoridades evangélicas.
A parte 10, "A resistência dos vaga-lumes", com 7 capítulos, fala sobre a representação LGBT/queer em diversas frentes. São abordadas manifestações da comunidade LGBT, assim como a representação (ou falta de) LGBT na política. Trevisan fala sobre a teoria queer, sobre o direito de pessoas trans com relação a cirurgias de redesignação sexual. O autor aborda novamente a parada LGBT e também as novas formas de comunicação da comunidade LGBT, com o advento da internet. As novas formas de divulgar conhecimento e suas movimentos artísticos. Para finalizar, Trevisan fala sobre a homossexualidade em lugares normalmente não vistos, como no exército, entre famosos, na política etc.
Na parte dos apêndices, temos uma variedade de textos que de alguma forma tem relação com a obra, mostrando sua continuidade, além de trazer entrevistas exclusivas.