santainesense 15/07/2020
Conhecer é Resistir
Ser parte de uma minoria social é, essencialmente, carregar dentro de si uma força capaz de se fazer resistir, lutar e se reinventar. Nesse sentido, identificar-se como integrante do grupo LGBTQIA+, por exemplo, é, sobretudo, um ato político. Ainda mais em um contexto brasileiro onde, apesar de todas as vitórias conquistadas por essa população, seguimos como o país em que mais homossexuais são assassinados em decorrência da homofobia e em que a expectativa média de vida de travestis e transexuais não ultrapassa os 35 anos. Paradoxalmente, vivemos sob uma atmosfera de ilusória integração. E, para grande parte dos estrangeiros, o Brasil continua conhecido como um país onde reina a libertinagem.
"Devassos no Paraíso", do escritor e ativista gay João Silvério Trevisan, busca desvendar e dissecar essas e outras contradições. Caminhando por diversos campos de conhecimento, tais como história, política e cultura, o autor demonstra a maneira pela qual a identidade homossexual se mistura com a própria construção da identidade do povo brasileiro. Dividido em dez capítulos e mais alguns apêndices, a obra é ricamente composta por inúmeras referências, citações e relatos históricos, tornando-se, portanto, uma verdadeira bíblia da homossexualidade brasileira.
A primeira edição desse livro ocorreu no final da década de 80. Desde então, passada mais de três décadas e atravessando uma geração, "Devassos" alcança sua 4ª edição de maneira revisada e acrescida de novos textos. Essas atualizações nos permitem acompanhar a evolução do próprio autor no que se refere à compreensão das pautas LGBTQIA+, como fica evidente no uso de alguns termos já defasados. Dessa forma, é possível perceber como, em tão pouco tempo, tanta coisa mudou, ainda que pensamentos e ideias antiguadas permaneçam.
Da chegada dos portugueses até os tempos de Jair Bolsonaro, realmente muita coisa mudou. A homossexualidade já foi vista como pecado mortal, crime inafiançável, distúrbio psiquiátrico, falha de caráter. Hoje, a discussão consegue ter apelo midiático e se tornar mais ampla, assim como as minorias sexuais já conseguem se inserir em diversos meios, mesmo que com dificuldade. Todavia, não podemos permitir que nossa história seja esquecida. E, da mesma forma, não podemos acreditar que já esteja bom do jeito que está. É preciso resistir, lutar, se reinventar. Conhecer a nossa trajetória é, portanto, imprescindível.