Jess.Carmo 21/02/2021
As prisões não diminuem as taxas de criminalidade
A obra não é apenas uma descrição restrita ao surgimento do Primeiro Comando da Capital (PCC) e ao seu desenvolvimento. Os autores retomam aqui o velho tema do fracasso da justiça penal. Quando digo que é um velho tema, não é à toa, já que nos acompanha desde o século XIX. Segundo Moreau-Christophe (1839), "onde houver uma prisão, há uma associação de outros tantos clubes antissociais" (p. 7), ou seja, a prisão "favorece a organização de um meio de delinquentes, solidários entre si, hierarquizados, prontos para todas as cumplicidades futuras" (FOUCAULT, 1975, p. 261). O PCC é reflexo desse fracasso histórico que é a justiça penal.
O PCC não encontrou grandes dificuldades para que sua ascensão fosse bem sucedida. A falta de vontade dos políticos brasileiros em aderir propostas de políticas públicas pautadas em estudos na área de segurança pública facilitou o crescimento do grupo paulista. Sempre foi mais fácil usar o velho discurso de que as prisões devem ser um depósito dos tipos indesejáveis que a polícia captura. Por essa lógica, com o criminoso fora de circulação, o crime se dispersaria. Triste engano. A vida insalubre do sistema penitenciário brasileiro, o esquecimento e desprezo da sociedade brasileira fabricaram um dos maiores grupos de crime organizado da América-latina. Afinal, se o Estado e a sociedade me esqueceram, o que me resta é sobreviver. Além disso, mesmo em liberdade, as condições dos ex-detentos permanecem precárias, já que estão sob constante vigilância; o estigma do crime nunca os abandona.
Sem ter nada a perder, a população penitenciária aderiu ao discurso revolucionário do PCC. Segundo eles, os "crimes eram praticados em nome 'dos oprimidos pelo sistema' e não em defesa dos próprios interesses" (p. 12), o que os diferenciavam do grupo de traficantes cariocas Comando Vermelho (CV). Nesse sentido, o crime era uma forma de sustentar um projeto inicialmente revolucionário. O objetivo não era mais crescer individualmente dentro do mundo do crime, mas procurar uma forma de sobreviver ao sistema através de uma organização grupal. Daí o lema "o crime fortalece o crime".
Apesar dos salves sempre finalizarem com os lemas de "Justiça, Paz, Liberdade, Igualdade e União", esses ideias perderam o sentido nas últimas décadas. O grupo passou a ser uma empresa. Alguns poucos se beneficiam com o lucro do tráfico.
A guerra declarada ao grupo se confunde também com uma guerra declarada a toda população das comunidades. Não importa se a comunidade do Alemão tenha 100 mil habitantes e apenas 0,5% da população pertença ao grupo, todos os moradores sofrem com a violência policial. Dessa forma, o Estado, responsável pela ação covarde, passa a ser visto como um inimigo por toda favela. O que resta é a convivência com os traficantes.
A solução que os autores apresentam é atacar financeiramente o grupo. Como se trata de uma lógica empresarial, seu calcanhar de Aquiles é justamente o capital financeiro. Portanto, é necessário investimento em inteligência policial, desmilitarização da polícia e a descriminalização das drogas. Além disso, é preciso atrair a população para outros projetos que prometam melhorias para a comunidade. Trata-se, acima de tudo, de uma disputa por almas. Os benefícios que o tráfico oferece são sedutores, a saber, dinheiro, carros, fama, mulheres. A vitória contra o tráfico também depende "da capacidade de atrais pessoas em torno de projetos voltados para o bem comum" (p. 327).
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