Nati 19/12/2021
Ao farol foi minha porta de entrada na literatura de Virginia Woolf, através da leitura coletiva do literatura-se.
Nesse livro, que dizem ser bastante autobiográfico, Virginia vai trazer uma família tradicional inglesa do meado do século vinte, os Ramsay, o Sr. Ramsay um professor famoso, a Sra. Ramsay a que cuida de todos e seus 8 filhos. O livro começa com essa família recebendo amigos na casa de verão na Escócia, que será o cenário para toda trama dividida em três partes. Ao longo de uma narrativa vai ser explorado o processo do pensamento dos personagens mais do que os acontecimentos exteriores e assim vamos conhecendo cada um dos personagens e a teia que os ligam.
🗣OPINIÃO💬
Foi uma leitura no início muito desafiante, porque eu não estava nada acostumada com narrativas que exploravam o fluxo de pensamento, então eu voltava toda hora porque havia me perdido, porque não tinha certeza de qual personagem era o pensamento que eu estava lendo, pois, os pensamentos dos personagens se sobrepõem ou começam e não terminam e depois pode ser retomado alguns parágrafos adiante. Tudo isso é bem desafiante, contudo a medida que fui me acostumando com essa narrativa da Virgínia fui me desprendo da narrativa para mergulhar na história e então a magia acontece.
A narrativa dessa família que vai passar por momentos difíceis na segunda parte para ressurgi com suas feridas abertas na terceira parte para acertar as pendências da primeira com alguns dos convidados da primeira parte.
É um livro que vai falar muito mais com as emoções dos leitores do que envolver os leitores com os acontecimentos. Os acontecimentos externos são só uma forma de mostrar a maneira que esses personagens pensam e reagem às situações na vida deles. É uma conversa do Eu dos personagens para o Eu dos leitores em que Virgínia vai passear através de vários temas enquanto ela mostra o relacionamento do James Ramsay com seus pais, quando ela traz a visão da Sra. Ramsay de sua vida e de sua condição de mãe, de esposa e a visão de Lily Briscoe, uma pintora que é uma das convidadas, de todos e principalmente da anfitriã.
Esses não são únicos personagens que vamos acompanhar, mas para mim, são os mais importantes, que condessam toda a trama em suas vivências.
É uma leitura bem bonita depois que se supera o modo da narrativa, Virginia é uma artista ao compor essa narrativa e levei vários dias digerindo a história. Essa edição tem a vantagem de trazer um texto de posfácio muito completo acerca da obra e da vida da autora que traça paralelos entre sua vida e Ao Farol, mas também suas diferenças, bem como também traz trechos dos diários de Virginia sobre o processo de produção da obra e sobre a vida pessoal da autora.
Uns trechos dessa escrita maravilhosa:
" Que arte havia aí, conhecida do amor ou da astúcia, pela qual se forçava o caminho através desses compartimentos secretos? Qual o ardil para se tornar, como águas vertidas numa jarra, inextricavelmente a mesma coisa, uma coisa só, com o objeto que se adora? Poderia o corpo consegui-lo, ou a mente, sutilmente imiscuindo-se nas intrincadas passagens do cérebro? ou o coração? "
" Ali estava diante dela – a vida. A vida, pensava ela – mas não completou o pensamento. Lançou um olhar à vida, pois tinha ali uma ideia clara dela, algo de real, algo de privado, que ela não partilhava nem com os filhos nem com o marido. Uma espécie de negociação ocorria entre as duas, na qual ela estava num lado, e a vida no outro, e ela estava sempre tentando extrair o melhor da vida, como a vida, dela; e, às vezes, parlamentavam (quando estava sentada sozinha); havia, lembrava-se, grandes cenas de reconciliação; mas, na maior parte das vezes, ela devia admitir, muito estranhamente, que achava esta coisa que ela chamava de vida, terrível, hostil e pronta para saltar sobre a gente, se lhe fosse dada a oportunidade".
"Tudo que, em ideia, parecia simples, tornava-se imediatamente complexo na prática; tal como as ondas se formam simetricamente desde o alto do rochedo, mas aos olhos do nadador nelas mergulhado se dividem em profundos abismos e cristas espumantes. Mas deve-se correr o risco; dar o primeiro traço".