Princípio de Karenina

Princípio de Karenina Afonso Cruz




Resenhas - Princípio Karenina


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Valéria 26/05/2024

Gosto da desordem de pensamento de Afonso Cruz, do vaivém do tempo nos seus escritos, da realidade se chocando violentamente com o conceito que temos do que é real, das referências aos russos, aos existencialistas, ao pessimismo latente de Schopenhauer e a esperança viva de Spinoza.

(...) sem o desequilíbrio, nada se move. A vida é um desequilíbrio e sem essa instabilidade e assimetria, teríamos apenas um vazio.

Não é a distância que me perturbava era a proximidade. Era o paradoxo de que uma pessoa de tão longe era capaz de me provocar uma presença tão próxima...

Eu seria muito infeliz em um mundo feliz. Ela seria feliz em qualquer mundo, referência de abertura de Tolstoi em Anna Kariênina.

Uma jornada que nos leva longe aos nos aproximarmos das nossas relações mais próximas, dos nossos erros, das nossas paixões, das nossas dore3s, ao somarmos isso tudo, talvez, talvez obtenhamos alguma felicidade.

É certo que: Existem infinitos lugares para estar errado e apenas um para estar certo, dois e dois tem um resultado correto e infinitos resultados errados. É assim que funciona a entropia. Existem inúmeras configurações para os cacos de vidro partidos, mas apenas uma para ser copo original de novo. Todos os quadrados perfeitos se nos abstrairmos das suas dimensões são iguais. São mazelas as imperfeições que fazem os quadrados diferentes, imperfeitos...
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Sol 62 29/04/2024

Afonso Cruz escritor português, cineasta, ilustrador, músico da banda The Soaked Lamb, escreveu Princípio de Karenina parodiando a primeira frase do romance Anna Karenina de Leon Tolstói. A frase de abertura do romance de Tolstói diz ?Todas as famílias felizes se parecem, todas as infelizes são infeliz s a sua maneira?, já para o narrador do romance de Afonso Cruz, é impossível ser feliz na igualdade e na monotonia, pois não há felicidade sem dor.

O romance é em forma de carta que o narrador, um pai escreve para sua única filha que ele não conhece e para quem conta sua história que também é a dela.
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MãeLiteratura 08/02/2022

Fiquei sem ar!
Partindo da célebre frase que abre o romance Anna Kariênina, de Tolstói: ⁣
"Eu seria muito infeliz num mundo feliz. Ela seria feliz em qualquer mundo. Esta história, minha e da tua mãe, é também a tua.", Afonso Cruz escreve seu romance.⁣

Uma carta de um pai que não conviveu com a filha e que se apresenta também, a nós leitores.⁣

Ele tem uma deficiência no pé, que o livrou da guerra e um amigo fiel, de quem aos poucos vai se distanciando. Alguns personagens têm nomes muito curiosos como "A Criada da Mealhada", "Dois Metros" (o amigo) e "O Da Herdade Nova" (seu rival).⁣

O protagonista e os personagens principais não são nomeados, apenas Fernanda, sua esposa. Um casal sem filhos e sem amor. Vivem uma rotina sem grandes emoções e ele imagina que assim será pelo resto da vida. ⁣

Tempos depois a descoberta de um amor proibido, uma mulher que traz luz, colorido e sabor à sua vida. Encontros, desencontros, vida e morte. Possibilidades (in)finitas.⁣

Edição linda da Companhia das Letras. Adorei as suas cores e contrastes. Entremeadas no texto encontramos fotos de uma mulher vestida de branco (a mesma da capa), com trechos de livros de autores como João Guimarães Rosa e Vladimir Nabokov.⁣

Este é o quarto livro que leio do Afonso e só confirma seu talento e sua escrita poética. Escrito em português de Portugal, o que traz ainda mais sentimento ao texto bonito.⁣

Um livro curto, mas muito impactante e triste. Muito bonito e reflexivo, do jeito que eu gosto.⁣

Recomendo muito!⁣
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Marcel 07/02/2022

Afonso Cruz e sua imaginação inesgotável, fazendo das situações mais prosaicas uma fonte inesgotável de poesia e observações curiosas
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Alexandre Kovacs / Mundo de K 02/01/2022

Afonso Cruz - Princípio de Karenina
Editora Companhia das Letras - 200 Páginas - Capa: Claudia Espínola de Carvalho, Fotos de capa e miolo de Afonso Cruz - Lançamento: 2021.

A famosa abertura de Anna Kariênina, de Tolstói, "Todas as famílias felizes se parecem; todas as infelizes são infelizes à sua maneira", é recriada pelo português Afonso Cruz em seu próprio romance: "Eu seria muito infeliz num mundo feliz. Ela seria feliz em qualquer mundo. Esta história, minha e da tua mãe, é também a tua."; aqui a frase funciona também como o início de uma longa carta de um pai para a filha que não conheceu. Este pai será o narrador-protagonista contando-nos a história de sua vida desde a infância com a ajuda de citações que variam de Tolstói até Guimarães Rosa: "Infelicidade é questão de prefixo. [...] e que viver é um rasgar-se e remendar-se", uma obra original e sensível, boa oportunidade para conhecer um pouco mais da literatura contemporânea portuguesa.

Aos oito anos, o nosso protagonista, que tem uma deficiência congênita em um dos pés, se torna também "coxo da cabeça" ao aprender com o pai a temer "tudo a que ele chamava de estrangeiro e que não se limitava a uma fronteira geográfica, mas sobretudo moral: – Ouça, menino: se alguns lugares são geograficamente acessíveis, são, no entanto, moral e psicologicamente aberrantes. Um homem de bem não deve sair do seu espaço, deve deixar a selva para os selvagens." Mais tarde, ele entenderia que a aversão paterna ao estrangeiro, significava apenas medo. Onde começava essa definição de estrangeiro? Segundo o pai, "o estrangeiro começava logo a seguir à porta de casa, e esse exterior estendia-se até a Conchinchina [...], o longe mais longe possível, mais longe do que a distância, o momento e o espaço em que a desordem se impõe de uma forma tal que nada faz sentido."

"Como poderia eu, rapaz relativamente deformado, sonhar um dia casar-me com a Fernanda da farmácia, quando o meu rival era o ápice do cânone grego, uma pessoa meio dicionário mitológico, meio recordista dos cento e dez metros barreiras? Mas, na verdade, o segredo é incorpóreo, não se vê. A realidade pode ser muito dura, mas os sonhos dão boas almofadas. O mundo pode ser de pedra, mas os sonhos são um colchão por cima dele e têm a teimosia e a ousadia de não desistir. Por mais que os afastemos, enxotemos como fazemos às moscas incômodas, os sonhos voltam sempre a assombrar-nos, a pousar-nos na cabeça, a picar-nos. Não é a dureza do mundo que vence, são estes insetos frágeis, sem ossos, sem corpo, a que chamamos sonhos, que acabam por fazer buracos no mundo, por o penetrar e vencer." (p. 64)

Após o casamento com a Fernanda da farmácia e a morte do pai, a vida segue a rotina que "é a coluna vertebral da moralidade", até que esta muralha interior é destruída pela chegada da substituta da velhíssima criada da Mealhada, justamente uma refugiada do Vietnã no início da década de 70, uma mulher que inspira a seguinte anotação no seu caderno de contabilidade: "Quando olho para ela, vejo uma janela aberta." Logo, o limitado e infeliz universo doméstico é invadido por ingredientes exóticos, sendo a culinária apenas uma representação de tudo o que mudava: "A partir desse instante, a solidez da minha rotina começou a abrir uma brecha por onde entrava luz. A presença dela haveria de perturbar o tédio nosso de cada dia, abrindo uma janela por onde quer que passasse."

"As noites entre mim e a minha mulher poderiam ter sido momentos de fulgor e calor entre duas pessoas recém-casadas, mas o ambiente era de escritório. Ela era, como já disse, indecisa, e isso paga-se caro na cama quando tudo deve ser fluido, sem hesitações. E eu, pelo meu lado, estava ali como quem carimba um formulário, zeloso do dever da mutiplicação, sem manifestações que pudessem abalar a sobriedade cristã, para a frente, para trás, para a frente, para trás, ela de olhos colados no teto, eu de olhos colados na cabeceira da cama de carvalho, controlando a respiração e concluindo, com uma espécie de suspiro longo, que, se resultasse em descendência, haveria de justificar aquela cena ridícula, que á a cópula executada como nós a executávamos." (p. 93)

É claro que toda essa magia tem prazo certo para acabar. É o que acontece quando uma gravidez inesperada faz com que a criada retorne para sua terra natal. Conseguirá o nosso protagonista, educado com base na solidez da rotina, ter a coragem suficiente para reconhecer que "não existe felicidade na igualdade e na monotonia" e que "é impossível ser feliz sem dor"? Talvez a lição mais importante neste romance seja a certeza da necessidade de desequilíbrio para provocar o movimento, Afinal, "Sem desequilíbrio, nada se move. Um círculo está em constante desequilíbrio. É bom para fazer andar os carros. Os quadrados não têm essa possibilidade. Já estão bem assim, sentados à lareira, a sublinhar a sua hombridade, a sua estrutura sólida. Não são felizes, são produtos industriais saídos de uma máquina de fazer quadrados." E você caro leitor, sua vida está mais para círculo ou quadrado?

"Cochinchina era para o meu pai o lugar para lá do lugar. Uma pessoa podia pecar, mas a Cochinchina era o metapecado, a fera suprema, o ponto onde a razão enlouquece, estava para lá de Deus. Uma pessoa podia imaginar a extensão do mundo, mas a Cochinchina era um passo além da nossa imaginação. Como nunca tinha sentido uma paixão verdadeira, ainda não sabia que a mesma definição se poderia aplicar ao amor: fera suprema, enlouquecimento da razão, ponto para lá de Deus ou da imaginação. / Não conseguia dormir. Senti que tinha voltado a ter oito anos e que me havia confrontado com a existência de uma região mitológica, uma barbárie onde viviam pessoas, algumas delas bastante luminosas, com caras de janelas abertas, com quem era possível falar e, quem sabe, amar. [...]" (p. 104)

Sobre o autor: Afonso Cruz é escritor, ilustrador, cineasta e músico português. Estudou na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa e no Instituto Superior de Artes Plásticas de Madeira. Foi vencedor do Grande Prêmio de Conto Camilo Castelo Branco de 2010 com "Enciclopédia da Estória Universal" e em 2012 do Prêmio da União Europeia de Literatura com "A boneca de Kokoschka", entre outros. No Brasil, a Editora Companhia das Letras publicou "Jesus Cristo bebia cerveja" (2014) e "Flores" (2016).
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ElisaCazorla 18/02/2019

O que é isso de ser feliz?
Ler Afonso Cruz é sempre uma experiência ímpar. Esse autor é de uma sensibilidade que já não vemos em qualquer livro, nos filmes, nas pessoas ou até em nós mesmo.
Eu adoro Afonso Cruz. Já inicio um livro seu com a certeza que vou amar. Com Princípio de Karenina não foi diferente.
Cruz nos conta a história de um pai que escreve uma carta para a filha que não conheceu. Conta a sua história pois é também a história dela.
Durante toda a sua jornada o autor nos faz pensar sobre o que é ser feliz e o que é ser infeliz. Podemos medir a felicidade? Para tal, faz uma ponte com Tolstoi e sua célebre frase: "Todas as famílias felizes se parecem, cada família infeliz é infeliz à sua maneira."
Em certo momento, o autor nos obriga a refletir, a ponderar e a questionar sobre essa tal questão: é possível medir a felicidade?. Afinal, o que determina a semelhança entre as famílias felizes e a individualidade na infelicidade? Como cada pessoa é infeliz ao seu jeito.

Afonso Cruz vem provocar e agitar uma consciência que todos nós concordamos sobre as particularidades da infelicidade. A felicidade pode corresponder a uma hora e vinte minutos de uma conversa, a um toque de mãos despretensioso, a pequenas coisas que agitam, alteram e prometem um pouco de paz. Uma espécie de teoria do caos que, ao final, se prova necessária para o arrumar as gavetas e para a união fios soltos do passado que, muitas vezes inconscientemente, nos atormentam.

Talvez sejamos capazes de entender o que nos fazia realmente felizes somente no final de nossas vidas quando já é tarde demais para viver a felicidade.

Foi assim com este homem.
É assim com todos nós.
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