spoiler visualizarNico 05/11/2024
Se é para ler livro antigo nas escolas, que o livro seja este.
Maria Firmina dos Reis, escritora injustiçada pelo mundo racista e machista em que viveu, finalmente começou a ter o reconhecimento que lhe foi negado por muito tempo.
>>Úrsula, seu romance e obra principal deste livro, traz de maneira muito interessante os ideia abolicionistas da autora. Por trás de uma história beeem clássica, daquelas que a gente se cansa no Ensino Médio, de um cara que se apaixona perdidamente por uma mocinha e estes ficam 237034927 horas declamando seu amor da forma mais chata possível, Firmina dos Reis consegue carregar as personagens negras de subjetividade e profundidade, colocando-os sob um olhar humano e sem normalizar a condição de escravidão, como era comum em sua época.
Além do personagem Túlio, que mostra nobreza e lealdade em todas as suas ações, temos também mãe Susana, que não só conta explicitamente como foi arrancada de sua terra natal e separada de sua família, também me lança essa aqui:
"É horrível lembrar que criaturas humanas tratem a seus semelhantes assim e que não lhes doa a consciência de levá-los à sepultura asfixiados e famintos!"
Vamos ser justos. Para ter coragem de lançar essa em 1859, tem que ser braba.
O romance não é "uau, mudou minha vida" e sim, é bem chatinho em vários momentos. Toda a declaração de amor de 2 horas de Tancredo para Úrsula, os devaneios completamente aleatórios, além do próprio vocabulário antigo, é bem cansativo, mas para quem leu Senhora, Iracema e outros clássicos, o que é mais um, né?
Digo com gosto: se é para ler livro antigo nas escolas, que o livro seja este. Um livro de uma mulher negra (possivelmente a primeira da américa latina e, com certeza, a primeira do Brasil) que no século 19 teve coragem de escrever um romance dando voz a personagens negros complexos e interessantes.
>> Gupeva, que também vem nessa edição, inserido no "outras obras", não ganhou tanto meu carinho, porque além de tedioso, me pareceu muito confuso em alguns momentos. Ao contrário d'A Escrava, que me pareceu mais organizado e interessante de ler.
>> Agora, vamos às poesias, que me despertaram questionamentos. Algumas das poesias não me apeteceram. Carregadas de romantismo Brasileiro, um enaltecimento chato e exagerado do Brasil (porém, com um carinho específico pelo Nordeste, o que me alegrou um pouco) e tudo aquilo que o movimento literário pede... até começar a parte interessante.
Alguns de seus poemas, carregados de subjetividade, traziam desabafos, momentos de angústia, questionamentos sobre a vida e desejos proibidos.
Me perguntei, muitas vezes, se ali não estava uma história confessa de que Reis era uma pessoa queer. Por horas o eu lírico fazia confissões de amores proibidos, e declamava quase que explicitamente seu amor por pessoas do gênero feminino. Há uma passagem, em uma de suas poesias em que o eu lírico declara que dos homens "não os amo a nenhum". Cheguei a pesquisar sobre o assunto, mas não achei nada falando sobre o tema.
Acredito que, por ter ficado tanto tempo na obscuridade e tão recentemente seu trabalho ter sido reconhecido como uma obra abolicionista importante, talvez não tenha existido tempo para que outros aspectos da escrita de Reis fossem analisados com profundidade.
Não sou um acadêmico de literatura, sou apenas um leitor que, por ser queer, tem uma tendência a encontrar nuances que às vezes passam despercebidas ao olhar de quem não é. Mas gostaria muito de ver mais trabalhos, pesquisas e estudos sobre essas obras.
Para quem gosta de literatura nacional e gosta de conhecer clássicos, eu recomendo muito a leitura. É um livro necessário e um reconhecimento que custou a vir, de um dos nomes que eu espero que se torne cada vez mais conhecido no meio literário.