Andreia Santana 15/10/2011
Muito mais que uma leitura gostosa de sessão da tarde
Os Delírios de Consumo de Becky Bloom é para ler e “consumir” (sem trocadilho, sério!) como uma gostosa comédia romântica, daquelas que fazem rir e pronto, passado o efeito, fica a sensação de que você se divertiu bastante e não precisa ficar remoendo ou pensando muito no assunto. Acredito que esse tipo de leitura é bastante saudável, mas só recomendo para quem não leva a vida muito a sério ou para quem tem tempo de sobra para gastar com diversão, independente de aprender lições edificantes com os livros.
Mas, que bom que sempre tem um mas, não é só isso. A ideia deste livro não é dar lição de moral, nem fazer você se debruçar sobre os grandes problemas da humanidade, não resgata heróis do passado e muito menos reflete os dramas sociais da parcela da humanidade que vive muito abaixo da linha da pobreza. Mas (olha o mas aí) há um engajamento no livro, um compromisso com a contemporaneidade, a sociedade de consumo, o descartável, o ágil e o fashion. Há uma mensagem, embora ela seja passada de forma leve, lúdica e sem nenhuma pretensão de ser levada a sério como um manual cartesiano.
A trama desenvolvida com grande humor pela escritora Sophie Kinsella conta a história de Rebecca Bloom, uma jornalista de economia que aparentemente não entende absolutamente nada do tema sobre o qual escreve, vive pagando mico em importantes entrevistas coletivas e está endividada até a alma, dando mostras de que, apesar de escrever sobre finanças, tem as próprias contas em estado de lástima.
Por ser jornalista, era de se esperar que eu ficasse chateada com a Sophie Kinsella (que é minha colega de profissão, inclusive), porque a visão da autora sobre o ambiente do jornalismo especializado é bem cruel, sem concessões, uma crítica ácida e às vezes até meio azeda. Eu adorei, além de concordar em gênero, número e grau. Apesar de algumas estereotipagens para dar o molho ao romance, em linhas gerais, Sophie, que era jornalista de economia antes de virar escritora, dá um show de lucidez ao radiografar a relação muitas vezes ambígua entre as empresas de relações públicas (leia-se assessorias de comunicação) dos grandes bancos e grupos financeiros, com os jornalistas que deveriam, em vez de copiar releases descaradamente, ter uma visão crítica dos números e balancetes sempre favoráveis (para os bancos) e nada preocupados com os coitados dos aposentados, por exemplo, que guardam suas economias nas respeitáveis instituições.
A troca de gentilezas, presentinhos, jabás e que tais também estão nas páginas dessa despretensiosa comédia romântica que no fim das contas, merece ser bem mais levada a sério do que é de fato. Sabemos, e não posso ser ingênua, que assim como em qualquer profissão, há os bons e os maus jornalistas. E que, do repórter ao dono da empresa de comunicação, os graus de honestidade ou corrupção têm mais variáveis que uma equação do segundo grau.
A vida caótica de Becky Bloom, seja às voltas para driblar o gerente do banco e não pagar as próprias contas (mais por imaturidade do que por desonestidade) ou para conquistar o homem dos sonhos, é o pano de fundo onde Sophie deita e rola divertindo-se tanto com as agruras e as ingenuidades (oooh como são bobinhas) das mulheres modernas, quanto para destilar sua crítica contra uma imprensa comprometida com as corporações e não com o cidadão comum, que é, em tese ao menos, o real motivo da existência da imprensa “livre”.
Becky Bloom é uma heroína às avessas. Cheia de falhas, fútil, mentirosa, insegura, consumista ao excesso (e o consumo excessivo é prova da insegurança), desmioladinha, gasta mais do que ganha, dá foras enormes, não consegue entender muito bem os desejos e anseios dos outros, a menos que digam respeito a ela mesma. Tem 25 anos (ou seja, acaba de se formar, entrou no mercado há pouco tempo, se sente mulher mas ainda age meio como adolescente tardia) e precisa levar umas porradas ao longo do livro para crescer e virar gente.
A virada da personagem é muito bacana de acompanhar. O amadurecimento de Becky é ao mesmo tempo o amadurecimento do livro, que começa desmioladinho como a protagonista, mas chega ao final das suas 300 e tantas páginas revelando-se muito mais que apenas uma leitura gostosa de sessão da tarde.