Tânia Souza 17/06/2011
Annabel & Sarah, uma viagem de sombra e ternura
Por Tânia Souza
É da natureza dos contos de fadas serem sombriamente bonitos, pois são narrativas que trazem superações, desafios, derrotas e vitórias. Annabel e Sarah é um conto de fadas moderno e inquietante, algumas vezes sombrio e, inesperadamente, encantador. Na historia de irmãs gêmeas completamente diferentes e, ao mesmo tempo, tão iguais, o autor Jim Anotsu conseguiu, em poucas linhas, demonstrar a intensidade que passa do ódio ao amor somente possível entre irmãos “Nós somos irmãs. Não somos amigas”, diz Annabel. E não precisamos saber mais dessas meninas, além disso. Personagens fascinantes, inusitados, melancólicos, mágicos ou assustadores vão surgindo com fluidez e velocidade em um universo comum que subitamente se torna fantástico.
Quando uma das irmãs, Sarah, é levada por mãos misteriosas saídas de dentro de uma tela de TV, cabe a Annabel, consciente do absurdo e ao mesmo tempo, levada pelo dever, medo e pelo amor, tentar resgatá-la. Está instaurado o fantástico, um gênero que brinca com o real e o imaginário, com o possível e o impossível, mas com essência sempre humana. Assim são as duas meninas, personalidades comuns e, justamente por isso, adoráveis no reconhecimento de que poderiam estar neste momento ao lado do leitor distraído. Quando este mundo alternativo surge, a narrativa marcante de Jim Anotsu toma forma em um romance contemporâneo e de muitas faces. Retalhos de som e imagens são tecidos numa composição simples e ousada.
A Allegria pode ser terrível, ao menos para Sarah. A garota enfrenta tantas superações em busca da sua liberdade, ou talvez, em busca de si, que é a personagem que mais se transforma. Quer angústia maior de não poder ficar triste? Como são assombrosas as máscaras da felicidade, bicos brancos de foliões em um carnaval surreal, no qual relógios derretidos servem de cenário a uma festa sombria. Talvez tenha sido frágil a principio, mas é ela que enfrentara os cantos mais sombrios desse conto de fadas repleto de inferências intertextuais. Sarah é a superação, a maturidade e o crescimento.
Em sua viagem em busca pela irmã, Annabel encontra o seu bandido iluminado, briga para conquistar o que deseja, se envolve em confusões, fala palavrões, Annabel é quase a mesma Annabel que nos foi apresentada no principio da narrativa, um pouco mais doce, um tanto mais dura, aos poucos sendo tocada pelo afeto, revelando-se enfim nos interlúdios.
A aventura literária de Annabel e Sarah faz pensar nos nossos livros, nossos heróis, nossos bandidos. Estamos tão entrelaçados neste labirinto moderno de idéias, cores, sons e movimentos e, ao mesmo tempo, a procura de algo que nos identifique e, nos diferencie. Pois é fácil e diferente seguir esse caminho em Annabel e Sarah, entre letras e canções, cenas de cinema e quadrinhos; têm-se recortes intertextuais interessantíssimos, provocando a memória do leitor, instigando num delicioso jogo de intrigas e reconhecimento, oferecendo pistas ou falsas pistas, algumas tão fáceis e outras, quase ocultas, enquanto o ritmo de vídeo clipe permanece. Nem mesmo os heróis e os vilões são planos em Annabel e Sarah, há apenas o que a vida e a dor fez com cada um. Até mesmo o mais cruel dos seres questiona o que o outro faria se estivesse no seu lugar.
Essa é uma trama que deixa perguntas. O que é bom, pois como leitora, entendo como um presente sentir a curiosidade de saber como seriam os outros personagens que passam, no entanto, ficam conosco, curiosamente intrigantes no imaginário do leitor. O implícito na narrativa de Annabel e Sarah tem tanta força quanto os fatos que acompanhamos. Pode ser visto como um labirinto literário, duas narrativas entrelaçadas por interlúdios que surpreendem pela densidade, que sugerem um onde sao mais, ou vários onde há apenas um.
Remetendo a idéia do hipertexto, o clássico namora com o moderno: enquanto a rebelde é obrigada a ceder, a princesa é obrigada a crescer, todos devem superar algo, fazer um sacrifício, perder algo/alguém que se ama. A aventura entrecortada com o diário, em tom memorialista é um achado narrativo neste romance que pede e encanta ao leitor experimentado, de olhos atentos, apto para reconhecer o diálogo constante entre as artes, pois quanto maior o reconhecimento das relações intertextuais, maior o prazer da leitura.
Mas é também um romance para encantar o leitor que não perdeu a inocência, disposto a imaginar, a sonhar, a vivenciar uma viagem de ternura e melancolia no universo de Annabel e Sarah.