spoiler visualizarAntonio 03/07/2022
Estamos vivendo sob o Fascismo no Brasil de hoje (2022)?
O grande propósito deste livro de Umberto Eco, e sua publicação no Brasil, é nos fazer pensar se estamos ou não sob um regime fascista.
“Fascismo Eterno” se refere a uma forma de poder que se espalhou pelo mundo, depois que Mussolini a inaugurou na Itália. Países que tiveram regimes fascistas no século XX: Letônia, Polônia, Hungria, Bulgária, Grécia, Iugoslávia, Espanha, Portugal, e América do Sul (entre outros). Franco e Salazar ficaram no poder por 40 anos! Quer dizer: a coisa se espalhou, e se estendeu muito além da II Guerra Mundial. A semente do fascismo deu muitos frutos, por isso o “Eterno” do título.
Eco compara Nazismo e Fascismo — e insiste na comparação — para nos fazer entender o segundo. A diferença mais importante é que o Nazismo tinha uma base filosófica, e o Fascismo não tem. Por isso é “fuzzy”, esfumaçado, uma “colagem de diversas ideias políticas e filosóficas, um alveário de contradições”. O que seria um “a menos” se torna um motivo para sua sobrevivência, sua adaptação a outros conceitos.
O Fascismo de Mussolini não tem filosofia, tem uma retórica – um discurso. E um arquétipo, pois foi o primeiro a criar uma liturgia militar.
Isso se aplica ao Brasil de hoje? Será que somos governados por uma ideologia filosoficamente embasada, ou trata-se apenas de uma retórica, um arquétipo e uma liturgia militar?
Um regime e sua ideologia não duram para sempre. Mas sobram um “modo de pensar e de sentir, hábitos culturais e instintos obscuros”. Ok, que modo de pensar é esse?
“O Fascismo Italiano convenceu muitos líderes liberais europeus de que o novo regime estava realizando interessantes reformas sociais, capazes de fornecer uma alternativa moderadamente revolucionária à ameaça comunista”.
Isso explica porque o Fascismo se espalhou na Europa: era a alternativa ao comunismo.
O mesmo acontece no Brasil. A “ameaça comunista” é irreal, mas é uma forma de dizer: “Vamos barrar os avanços esquerdistas e as conquistas sociais.”
Tipo a empregada na Disneylândia que incomodou Paulo Guedes.
O Nazismo, claramente definido, tinha uma teoria racista e era anticristão e neopagão. O Fascismo se abre a várias possibilidades: pode ser religioso ou não, monárquico ou republicano, e absorve vários estilos de arte. Ele se adapta.
“O Fascismo foi certamente uma ditadura, mas não era completamente totalitário, nem tanto por sua brandura, mas antes pela debilidade filosófica de sua ideologia”.
E essa debilidade de pensamento leva a muitas contradições:
“Mussolini não tinha qualquer filosofia: tinha apenas uma retórica. Começou como ateu militante, para em seguida assinar a concordata com a Igreja e confraternizar com os bispos que benziam os galhardetes fascistas” (p.28)
E no bolsonarismo? Basta lembrar do que ele disse sobre o aborto, e o que ele diz agora.
“Bolsonaro faz críticas a aborto, mas já defendeu que decisão deve ser do 'casal'. Presidente criticou decisão da Colômbia de descriminalizar a interrupção da gravidez, mas no passado assumiu que sugeriu a ex-esposa fazer o mesmo.” (Correio Braziliense, fevereiro de 2022)
Umberto Eco insiste que o Fascismo tem um “desconjuntamento político e ideológico – mas esse desconjuntamento é ordenado”. “Tirem do fascismo o imperialismo e teremos Franco o Salazar, tirem o colonialismo e teremos o fascismo balcânico”. Ou seja, é possível tirar uma característica ou outra, mas o Fascismo continua sendo reconhecível.
Suas características principais são:
1) Culto à tradição (uma atitude que remonta às reações à Revolução Francesa)
Vale a pena lembrar as opiniões de Ernesto Araújo:
Ao mesmo tempo que exalta o líder americano, o chanceler vai demarcando seu terreno. Coloca-se contra os imigrantes (“O Ocidente escancara as portas para milhões de imigrantes porque se nega a si mesmo, porque está psiquicamente doente. Trump quer deter o avanço desse impulso autodestrutivo”); investe contra a Revolução Francesa (“O povo que queria pão, respeito e liberdade, mas que amava a monarquia como símbolo nacional, foi rapidamente traído pela elite intelectual que o manobrara para chegar ao poder e que imediatamente começou a dar-lhe opressão, miséria e discurso ideológico, juntamente com a cabeça de Luís XVI, que ninguém pedira”); defende o fervor nacionalista (“cada nação é uma religião”); e investe contra o globalismo – “entendido como os padrões liberais antinacionais e antitradicionais na vida social e do mercado globalizado sem fronteiras na vida econômica”. Revista Piauí, abril de 2019.
Essas opiniões ecoam as de Olavo de Carvalho, que era contra a Globalização. Para ele, essa globalização era “comandada pelo marxismo cultural”, cujo objetivo seria “destruir os valores cristãos, da família, da sociedade e do Ocidente”.
“O tradicionalismo implica a recusa da modernidade.” (“Rejeição do Espírito de 1789 – O iluminismo e a idade da razão eram vistos como o início da depravação moderna”. P. 47)
2) Desconfiança da CULTURA – “Pensar é uma forma de castração. Por isso, CULTURA é suspeita na media em que é identificada com atitudes críticas.” “As universidades são um ninho de comunistas”
No Brasil: “Universidades são 'massacradas por ideologia de esquerda', diz Bolsonaro.” (Correio Brasiliense, março, 2019)
Na cultura moderna, a comunidade científica percebe o desacordo como instrumento de avança dos conhecimentos. Para o Ur-Fascismo, o desacordo é traição.
Ministro da Educação diz que universidades federais plantam maconha. Abraham Weintraub afirmou a jornal que há no campus "laboratórios de droga sintética, de metanfetaminas" porque a polícia não pode entrar no local.
3) Fascismo contra a Diversidade. “O Fascismo não aceita a diversidade: ele busca o consenso usando o medo da diferença. O primeiro apelo de um movimento fascista ou que se está tornando fascista é contra os intrusos. O Ur-Fascismo é racista por definição.”
Acabamos de ver Nelson Piquet fazer comentários racistas, o que repercutiu mundialmente.
4) Nacionalismo. “Para os que são excluídos de qualquer privilégio, o Ur-Fascismo diz que seu único privilégio é o mais comum de todos: ter nascido em um mesmo país. Esta é a origem do “nacionalismo”. Além disso, os únicos que podem fornecer uma identidade às nações são os inimigos.
Inimigos que poderiam ser os imigrantes, os judeus. Para Trump, eram os mexicanos.
5) APELO À FRUSTRAÇÃO. “O Fascismo provém da frustração individual ou social: Um das características é o apelo a uma classe média frustrada, desvalorizada por alguma crise econômica ou humilhação política, assustadas pela pressão dos grupos sociais subalternos.”
É quase desnecessário dizer o quanto isso se encaixa na crise dos tempos de DILMA. E isso aconteceu justamente depois que surgiu a NOVA CLASSE MÉDIA no Brasil. A Classe C se transformou no maior contingente da população brasileira, o que saiu na capa de muitas revistas. Ou seja, o PT criou a Nova Classe Média, e o PT levou essa Classe Média a uma grande frustração.
6) O ELITISMO. “No curso da história, todos os elitismos aristocráticos e militaristas implicaram o desprezo pelos fracos. (...) As massas são tão fracas que tem necessidade e merecem um “dominador”. Dado que o grupo é organizado hierarquicamente (segundo um modelo militar) qualquer líder subordinado despreza seus subalternos.”
Esse desprezo pelos subalternos nos faz pensar no quanto Bolsonaro já demitiu subordinados, qualquer um que não concordasse 100% com ele. É o caso dos comandantes militares. Ele já trocou todos.
7) Culto à morte e ao heroísmo. (Guerra)
Essa é uma característica que não se aplica ao Brasil. Talvez porque não estejamos envolvidos em nenhuma guerra.
“Como a guerra não é fácil, o Fascista transfere sua vontade de poder para questões sexuais. Essa é a origem do seu machismo (que implica desdém pelas mulheres e uma condenação intolerante de hábitos sexuais não conformistas, da castidade à homossexualidade”.)
Será que os bolsonaristas podem ser considerados machistas?
8) POPULISMO
“Para o Ur-Fascismo, os indivíduos enquanto indivíduos não têm direitos, e o povo é concebido como uma qualidade, uma entidade monolítica. Como nenhuma quantidade de seres humanos pode ter uma vontade comum, o líder se apresenta como seu intérprete.”
“Os cidadão não agem, são chamados apenas para assumir o papel de POVO”. “Em nosso futuro, desenha-se um populismo qualitativo de TV ou Internet, no qual a resposta emocional de um grupo selecionado de cidadãos pode ser apresentada e aceita como a “Voz do Povo”.
“Tenho certeza de uma coisa, nós temos o povo ao nosso lado, nós temos as Forças Armadas ao lado do povo, pela lei, pela ordem, pela democracia, e pela liberdade” , disse Jair Bolsonaro em frente ao Palácio do Planalto em Brasília neste 5 de maio em mais uma participação num ato de inspiração neofascista organizado por seus apoiadores mais fanáticos. Em lives e tweets, postadas não apenas pelo presidente, mas também por seus ministros e filhos, vemos todo o tempo uma referência ao “povo”, uma entidade que daria sustentação ao seu governo. Mas que povo é esse de que fala Bolsonaro? (https://jornalistaslivres.org/quem-e-o-povo-de-bolsonaro/)
9) DESPREZO PELO PARLAMENTO E OUTROS PODERES
Mussolini liquidou o Parlamento. “Cada vez que um político põe em dúvida a legitimidade do Parlamento por não representar mais a “Voz do Povo”, pode-se sentir o cheiro de Ur-Fascismo”.
A esse respeito, pode-se dizer que Bolsonaro fez uma aliança com o Congresso. No entanto, nos dois primeiros anos de governo, ele discursava o tempo todo contra o Congresso. Só depois o STF virou seu alvo principal.
Qual é a sua conclusão? Vivemos sob o Fascismo, ou não?
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