spoiler visualizarZé - #lerateondepuder 17/11/2019
Morte em Veneza
Morte em Veneza
Morte em Veneza é um daqueles livros finos e com menos de cem páginas que você consegue ler em apenas um dia, com uma linguagem rebuscada, mas não tão difícil de se compreender. Entretanto, na verdade, é um complexo livro que apresenta uma gama de simbolismos e, caso seja seu primeiro contato com Thomas Mann, provavelmente, não compreenderá a profundidade que o autor procura abordar, em apenas uma leitura.
Basicamente, a trama se reduz a contar a história de Aschenbach, um escritor bem famoso que mora em Munique, Alemanha, quando em determinada passagem de sua meia idade, ele observa uma figura enigmática ao cruzar um cemitério, decidindo daí realizar uma viagem, indo pela Europa, até chegar ao seu pretenso objetivo, a bela Veneza. Como de praxe, nessa cidade repleta de concepções e adjetivos, para chegar à sua hospedagem, o artista toma uma gôndola, travando uma pequena discussão com o gondoleiro, mas que o conduz até seu destino.
Estando hospedado e desfrutando da praia desse balneário, o formalíssimo escritor começa a reparar em uma família polonesa, especialmente na figura de um jovem rapaz e de como este é afortunado com uma beleza realmente estupenda. Aschenbach, da observação passa praticamente a perseguir esse adolescente, procurando a todo custo estar nos mesmos lugares, sempre o fitando com fascinação. Além da praia, o escritor segue no encalço do jovem Tadzio, por lugares diversos em Veneza, quer seja nas ruelas da cidade ou até mesmo na Catedral de São Marcos, desenvolvendo uma verdadeira paixão platônica, sem qualquer interação com esse seu amado.
Será na contraditória Veneccia, onde o belo convive com a podridão fétida, cidade de olhares esplêndidos e doenças terríveis que, em uma das andanças por suas ruas e canais, Aschenbach comerá morangos estragados e será contaminado pela terrível doença da cólera. Com a intenção de melhorar sua aparência, ele irá ao barbeiro e, posteriormente, retornará à sua hospedagem, sentando-se como por vezes anteriores, em uma cadeira de praia, já não se sentindo tão saudável e, finalmente, olhará para a imensidão do mar e para Tadzio, que retribuirá seu olhar, até mesmo acenando e apontando em uma determinada direção, quando na última linha da história, descrever-se-á a morte do protagonista, circunstância prenunciada pelo título desta peça.
Morte em Veneza foi publicada em 1912, sendo de autoria do consagrado escritor alemão Thomas Mann, que
nos brindou com outras magníficas, tais quais a Montanha Mágica e os Budenbrook que lhe valeu o Prêmio Nobel da
Literatura em 1929, bem como o reconhecimento como um dos maiores romancistas de todos os tempos. Filho de uma
José Maria Pascoal Júnior – 08/11/19
brasileira, Mann expressa uma incrível genialidade em suas obras, sendo um crítico notório do Regime Nazista, o que
LER ATÉ ONDE PUDER
lhe obrigou a se retirar de sua Alemanha natal, até se fixar nos Estados Unidos, falecendo em 1955. O livro foi escrito no
contexto da Europa nas vésperas da Grande Guerra, ainda com espaço para os luxos, sem a presença dos agouros
vindouros.
De título original Der Tod in Venedig, poucos são os personagens dessa novela. Gustav Von Aschenbach destaca- se pelo conservadorismo e formalismo em todo seu modo de pensar e agir, perfeitamente descritos pelo autor. Tadzio é a beldade que passa uma temporada juntamente com suas irmãs polonesas, alvo da admiração do escritor. Há outros personagens acessórios, como o gondoleiro que pode ser associado à figura do barqueiro Caronte e, dentre outros, um certo senhor de idade avistado por Aschembach, a quem este depreende um desaprovado olhar por sua conduta forçosamente juvenil.
Depois de compreender os significados subentendidos deste enredo, são plausíveis interpretações diversas, mas em particular, é possível compreender a questão da apreciação do belo na figura de Tadzio, até mesmo em uma intensidade de veneração homoafetiva quase irracional, em contraponto com a velhice que chega à meia idade de Aschembach. A visão dos opostos é mais fundamentalmente evidente, até mesmo por se passar em Veneza, que parece formidável aos primeiros olhares, mas que é repleta de contaminações insalubres, finalizando com a questão da vida em contraponto à morte, talvez o mote principal. Cabe ressaltar, também, a proposição crítica de Mann em colocar a figura do artista como um personagem que está muito distante de pessoas comuns, um verdadeiro pária perante a sociedade.
Por fim, vale muito a pena entrar no mundo de Thomas Mann pela leitura dessa rápida novela, tendo a certeza da necessidade de lê-la mais de uma vez. A edição que fundamentou esta resenha foi a tradução de Eloisa F. A. Silva, publicada pelo Grupo Folha de S. Paulo, no ano de 2003, sendo possível encontrar mais outras onze edições.
Há uma adaptação cinematográfica de 1971, mas para auxiliar sua reflexão é interessante procurar por outras resenhas para situar-se nesse riquíssimo contexto, a quem indico o vídeo do canal da Univesp, tratando-se de uma entrevista com uma especialista no assunto, disponível sob o título “Literatura Fundamental 36 - A morte em Veneza - Cláudia Dornbusch”, em: https://www.youtube.com/watch?v=YACCGqpZZBQ, acesso em 08 nov. 2019.
Paz e Bem!
É fundamental destacar que se trata de uma escrita repleta de segundas intenções, não tão claras em uma primeira leitura. Há referências sublinhares aos personagens, autores e até mesmo a deuses gregos, como Fedro, Platão, Hermes, Tânatos e Hades, somente perceptível para quem conhece o estilo de Mann e sua inspiração em filósofos como Friedrich Nietzsche. Particularmente, foi necessário ouvir várias vídeo-resenhas para que fosse possível observar todo esse simbolismo.
Blog e Videolog Ler até onde puder – Morte em Veneza
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