Derso 09/05/2023
Beleza e Contemplação
Toda vez que me deparo com um autor prolifico, tendo a ler os livros menores em tamanho destes antes de escalar uma montanha, algumas vezes isso não é possível se tratamos de um autor de uma única obra cujo volume já nos indica o tempo que iremos dedicar. Não é o caso de Thomas Mann, sua prolificidade deixou a nós leitores um bom acervo a ser explorado em que podemos escolher por onde começar.
Em “a morte em Veneza”, lemos a estória de Gustav von Aschenbach, um escritor idoso que está passando por uma crise criativa. Num dia, decide viajar pra Veneza e lá se apaixona platonicamente por um adolescente de 14 anos com o nome de Tadzio.
O enredo é simples, em termos de estória não há o que ser acrescentado para não correr o risco de spoiler, mas quem se atentar ao título já vai saber seu desfecho, a graça mesmo está nas discussões que o autor levanta e na forma do texto... O título já merece uma atenção especial, algumas traduções (como a edição que li) trazem o título sem o “a”, olhando o título original e pesquisando sobre o assunto fui informado que o título carrega um artigo masculino “der”, mas nem sempre haverá uma correspondência desse artigo da língua alemã para a língua portuguesa brasileira, isso significa que nem sempre o que é masculino em alemão será masculino em português brasileiro, isso permite que apontemos nomes de pessoas, estações do ano, mês, etc. Isso faz todo sentido, na novela, estamos nos referindo a morte, pois no ano de escrita, Veneza estava enfrentando um surto de cólera vitimando nativos e turistas, então temos um personagem que está indo a Veneza, e com quem ele vai se encontrar? O que significa que logo de cara Thomas Mann deixa claro o tom melancólico e reflexivo que vai adotar na narrativa, quando a tradução não compõe essa característica, acaba passando a impressão errônea de um romance policial em que há uma fatalidade à ser investigada.
O texto é narrado em terceira pessoa, mas notamos como que Thomas Mann dá um enfoque apenas no Aschenbach, como se fosse uma entidade a par dos pensamentos e emoções do protagonista atento a qualquer movimento brusco, o autor testemunha suas atitudes e as registra para que o leitor julgue por si as ações do personagem. Aschenbach fica obcecado com a beleza de Tadzio, chega á segui-lo, sabe onde o jovem vai estar e em qual horário estará. Olhando com um olhar contemporâneo, ficamos incomodados com tal atitude e de fato temos vontade de proteger Tadzio, afinal, ele está perto de um possível predador, não podemos descartar essa possibilidade, pois a pedofilia é uma discussão recorrente quando se fala na obra de Mann. Nos atendo ao tema, ele incita uma reflexão sobre a beleza artística, o autor concebe o protagonista com uma beleza apolínea, adepto da harmonia, ordem e disciplina; Veneza é dionísica, embora bela, cheiral mal e está contaminada por uma epidemia; já Tadzio é platônico, pois está sendo contemplado.
O livro tem parágrafos longos, isso pode assustar o leitor, mas aproveite cada palavra constantes nessas linhas, vemos ali a habilidade narrativa que Mann possuía, a erudição até dificulta avançarmos na leitura, mas não é nada de outro mundo, quando compreendemos o que está dito temos a oportunidade de apreciar a escrita do autor. Justamente nos parágrafos longo que reside as qualidades do texto, como a sabedoria de usar símbolos pra compor sua obra sempre lembrando ao leitor da forma como vai dirigir a narrativa sem interrompê-la, como os constantes prenúncios de morte que encontramos em vários trechos.
No final, ficamos com a impressão de que Mann mostrou do que ele é capaz e o que sua habilidade ainda faria, estou louco pra ler mias.
Precisei de ajuda pra escrever essa resenha, eis o que consultei:
INSTITUTO LING texto de Camila Salvá
NICOLAS NEVES do canal LAS HOJAS Y OTRAS HOJAS
BIBLIOTECA JOSÉ DE ALENCAR UFRJ texto de Victor da Hora e Edgard Corteletti
A EPIDEMIA DE CÓLERA EM “A MORTE EM VENEZA” DE THOMAS MANN de Denise Rocha
VER VENEZA E MORRER: BELEZA E DECADENCIA SOB OS ASPECTOS NARRATIVOS DE MORTE EM VENEZA DE THOMAS MANN de Wélica Cristina Duarte de Oliveira