Fome

Fome Knut Hamsun




Resenhas - Fome


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mpettrus 09/07/2024

O Escritor Faminto de Hamsun
?Foi nessa época que passei fome em Kristiania, esta cidade maravilhosa, da qual ninguém sai antes de receber as suas marcas.?

??Fome? é um romance implacável escrito pelas mãos de Knut Hamsun lançado em 1890. O romance de estreia do autor sobre seu alter ego nos conta a história de um jovem com sonhos de ser escritor vivendo na fria cidade da antiga Kristiania, hoje, atual Oslo.

?O dia-a-dia do protagonista se configura como uma série de altos e baixos em uma luta constante e obstinada para colocar comida no estômago.

O seu apoio é uma editora. O seu obstáculo é o editor dos livros, que muitas vezes não está presente. E caso lá esteja, ele não aceitará os manuscritos que lhe forem apresentados.

? Basicamente, esse é o enredo central da história. À priori, você pode achar que não acontece muita coisa nesse livro. Ledo engano.

Quando lemos as páginas desse romance com mais calma, desbravamos suas mensagens implícitas e começamos a perceber que essa história tem um enredo psicológico muito forte.

? Ao acompanharmos a jornada do protagonista, um jovem escritor vivendo em extrema pobreza, enquanto vagueia por Kristiania - às vezes sem-teto, às vezes vivendo na acomodação mais miserável que se possa imaginar -, descobrimos tão logo que a maior parte da história se passa dentro da cabeça do escritor.

Esse romance é essencialmente um estudo psicológico do que acontece com a mente, quando você está vivendo no limite, lutando desesperadamente pela sobrevivência. Fiquei na dúvida se se tratava de um romance cujo tema é naturalista ou socialmente realista.

?O protagonista passa fome porque não consegue encontrar trabalho ou porque é pobre? Ou a fome é um catalisador para tudo, exceto representações de miséria social? Bem, de qualquer modo, a fome é algo a que o escritor está exposto. É uma droga que o faz ver tudo sob uma luz diferente.

? Hamsun retrata o período de fome do escritor pouco antes da chegada do inverno. Ele vagueia inquieto pelas ruas da cidade. Vacilante, dividido e desesperado.

Sua alma é um conglomerado de fragmentos culturais do passado e do presente, restos de livros e jornais, pedaços de pessoas.

? Ele é um sujeito sem história visível e sem identidade fixa. É nervosamente observador, impressionável. Cheio de abrasões mentais vivencia a cidade e seus habitantes de maneiras distorcidas e paranoicas.

Conversa com mendigos, velhos, penhoristas, prostitutas, garçonetes e policiais. Ele fala com todos eles. Seus discursos são monólogos.

Ele sonha com encontros amorosos orientais e grandes realizações literárias. É sempre solitário e é antissocial. É uma espécie de criminoso sem crime. Sua imaginação é dominada pela paranoia, pela idiossincrasia estética, pelo orgulho frágil, pela autodefesa e pela agressividade.

Ele é uma montagem de impulsos mais ou menos arbitrários. Ele é retratado sem profundidade interior, sem experiência e com pouca visão auto analítica.

?É, portanto, tudo menos um herói de romance tradicional. Ele está no presente, e todas as suas autorreflexões são sobre as experiências presentes que não podem ou devem ser reunidas numa formação de experiência coerente, mas permanecem sempre no temporário. O romance não tem momentos construtivos.

? Praticamente todas as expressões de interesse pelos outros, todos os sinais de generosidade têm a ver com algo diferente de empatia.

Trata-se de assumir posições que impeçam a recaída na lavagem do chão, nas refeições regulares, nos apertos de mão amigáveis ??e na ternura. Trata-se de exposição a distúrbios sensoriais e mentais. Eles são sobre orgulho e arrogância.

? O escritor faminto de Hamsun se encontra constantemente ou se coloca em situações que promovem essa posição de ?outsider?. Ele se sente estranho a si mesmo, vê-se como presa de ?influências estranhas e invisíveis?.

Nada escapa a sua atenção. Ele é um ponto de encontro para os regimentos da arbitrariedade. Seu humor está além do controle pessoal. Tudo parece ?fugir de mim?, é dito em vários trechos do romance.

Não tenho dúvidas de que o autor desse romance foi exposto à fome. As descrições e os detalhes são tão vívidos e realistas que é quase como se você, leitor, estivesse passando pela experiência. Isso torna a leitura desconfortável. É doloroso ver um ser humano se desintegrando daquele jeito.

? Eu estava apertando as mãos em desespero, quando, depois de um longo período sem comida substancial, o escritor recebe uma refeição adequada, mas seu corpo, que não está mais acostumado com comida, não consegue mantê-la no estômago.

E eu queria chutá-lo, quando a dignidade e o orgulho o impedem de aceitar comida ou dinheiro, o que poderia mantê-lo por um dia ou dois.

? Hamsun mergulha direto na alma ao descrever as fantasias e pensamentos febris de um homem que se equilibra no abismo, pois aqui orgulho e decência são desafiados continuamente. Mas se há algo que permeia o livro é, afinal, a esperança.

? A esperança e o sonho de uma vida melhor, que nunca se extingue completamente. Alterna-se entre se divertir com sua tentativa desajeitada de encobrir sua pobreza e entre ficar deprimido com sua vida miserável.

Esse romance sombrio e existencial é fascinante. É escrito em estilo ?fluxo de consciência?, embora bastante comum hoje em dia, era bastante incomum em 1890.

Achei a prosa extremamente poderosa, com cada palavra queimando com raiva, exasperação, desespero, frustração. O protagonista não se entrega à auto piedade, recorrendo por vezes ao humor descontraído, o que torna tudo mais suportável.

? Do início ao fim, essa história é uma viagem insistente ao ser de um ser humano que vagueia pela grande cidade à beira de ser engolido e consumido pelas suas duras condições de vida. E é a descrição de uma luta desesperada para encontrar uma posição segura na vida.

? Uma luta descrita em linguagem formidável por Hamsun. Se você é fascinado por literatura existencial com foco na mente humana, esse romance é leitura obrigatória.

Não à toa, Hamsun foi chamado de Dostoiévski nórdico. Foi um dos pioneiros da literatura psicológica e considerado inspirador de autores como Kafka e Thomas Mann. Ele recebeu o Prêmio Nobel de Literatura em 1920.

Admirador da Alemanha desde os tempos de Otto von Bismarck, ele detestava o modo de vida promovido pelo expansionismo industrial patrocinado pelos ingleses.

Então, na década de 1940, com mais de 80 anos, passou a apoiar abertamente o n4zism0. Em 1943, ao encontrar Adolf Hitler e Joseph Goebbels, ele presenteou o ministro de propaganda alemã com a medalha recebida no Nobel. E enfureceu Hitler queixando-se da violência das tropas alemãs na Noruega ocupada.

Com o fim da guerra, em 1945, já aos 86 anos, ele foi julgado e condenado como colaboracionista. Teve de pagar uma multa que o deixou novamente pobre e passou o resto de seus dias preso/internado em um hospital psiquiátrico.

Escritor de mão cheia, pagou um preço alto ? justamente, diga-se ? por sua detestável escolha política. E continua pagando: não há e nunca houve em toda a Noruega uma rua, estátua ou mesmo um selo em sua homenagem.

?????????????
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Arsenio Meira 10/02/2014

Inventário de uma Sombra delirante e compulsiva

Escrito em 1890 (mil oitocentos e noventa), esse romance inaugurou o modernismo. Carlos Drummond de Andrade fulgura como tradutor. Credenciais suficientes para prestarmos atenção. Hamsun ganhou o Nobel em 1920. Romance quase sem história nem personagens, conta-nos os dias tortuosos dum aspirante a escritor na cidade de Cristiânia, atual Oslo. Na mais angustiante miséria, o jovem narrador, sem nome, vaga pela cidade, em círculos, para cima, para baixo, para os lados. Simultaneamente, o heroi sem nome escreve, ou tenta escrever alguns garranchos a título de artigos, em prol de algumas moedas capazes de amainar o monstro que ele cultiva.

O texto de Hamsun é uma parede inexpugnável; possuído pela fome, descrita duma maneira tão vívida que dá medo, nós tentamos ou torcemos para que o protagonista pule esse muro. Em vão. E bem sabemos que as obras literárias não são mosteiros, cujos muros se esforçam para impedir a entrada de influências externas. O escritor não é um monge isolado do mundo. Não se autoflagela para esquecer que é humano como todos os humanos. Tanto a obra literária quanto seu autor sofrem influências das circunstâncias econômicas, políticas e culturais da época em que a sua obra é gerada. Não obstante, o sentimento aqui é de confinamento. Influência nenhuma. Cidade sitiada. Murada. Paredes que se multiplicam como os sinais da loucura em olhos delirantes.

Lembrei Dostoiveski durante certas atitudes e diatribes do narrador. Em seus delírios, principalmente. A maneira como Dostoiévski apresenta a palavra, em sua obra é aberta, sempre pronta a ser dissolvida, confrontada e reinventada entre os personagens. A palavra luta para manter a possibilidade de explosão, pois seu império forma-se de um corpo vívido, marcado por teses e antíteses. Os contornos são diversos, mas unificados. Para quem se encontra em tão terrível situação, a ponto de jogar-se conscientemente nesse subsolo da alma, para demarcar o território de suas sombras compulsivas, seria justo pensar que o narrador almeja a morte. Não é bem assim. Sem esperanças, com nojo de si mesmo, o narrador não esconde o engodo, o troco indevido, os pequenos desvios que comente. Ele fabrica seus labirintos, alimenta sua volúpia sendo vil, humano e piedoso em ações contínuas. O famoso "fluxo da consciência" reverberado genialmente por Joyce e Woolf décadas depois, encontrou em Knut Hamsun um dos seus inventores.

Inventários fragmentados, delirantes, malferidos por percursos medonhos. O narrador se põe a roer osso descarnado; anda, e anda até se cansar de vaguear, enraivecido contra a providência que o martiriza, no fundo de sua miséria, ao ponto de tornar-se, ainda que provisoriamente, um ser insensível. Nem as possibilidades remotas e logo descartadas do sexo retiram do narrador quixotesco a urgência de cumprir sua obsessão: a fome como imposição para testar ou dinamitar o que há de mais puro em seu organismo. Transformar essa empreitada em romance é coisa pra louco, o que de fato, Hamsun era.

O instinto de sobrevivência, paradoxalmente, não morre. A fome é um ideário, não é só física. É mental. É uma meta. Significa burlar a própria identidade, para alcançá-la sabe-se lá quando, nem que seja à fórceps, testando os limites, através da mais dolorosa das experiências físicas e psíquicas. É um romance que redimensiona a dor, e não há Porto nenhum capaz de explicar-nos este embate, esta embarcação sem prumo, estas âncoras enferrujadas, carcomidas... Um exército composto pelas células mortas de um homem faminto, iconoclasta e absurdamente louco e genial.

Ps - Tomado definitivamente pela loucura, Knut Hamsun apoiou posteriormente o Nazismo, o que não retira a excepcional qualidade da sua obra.
LivreiroFabio 17/02/2014minha estante
Arsenio, mais uma resenha sua instigando e assanhando leituras almejadas, e um tanto apagadas, há tempos!


Paty 17/02/2014minha estante
Fiquei com fome deste livro.


LivreiroFabio 04/03/2015minha estante
Arsenio, um ano depois de ler sua resenha, volto aqui pra relê-la. No ponto! Só acho que até ele guardar o troco indevido e outros desvios, o personagem luta como louco. É desesperador, a gente vai descendo junto. Essa mesma descida, aliás, parece com a d'A Redoma de Vidro. Absorve o leitor. Mas acho que são experiências de vida, de humanidade. Qualquer um que leia um desses livros sai dele mais forte, com pé no chão.

E amigo, suas resenhas são uma das maiores contribuições que o skoob nos dá.


Rita Neta 09/07/2015minha estante
Maravilhosa resenha, tão maravilhosa quanto o livro.


Arsenio Meira 05/09/2015minha estante
Oi Rita,
Desculpe a demora, mas valeu pelo comentário!




Juliete Marçal 20/04/2020

Fome, solidão, orgulho e delirios.
"Se pelo menos eu tivesse um pouco de comida, um dia tão lindo! Subjugava-me a sensação dessa alegre manhã."

O livro narra o cotidiano de um escritor que já teve dias melhores e que padece pela fome. A fome e a penúria são constantes na vida do protagonista solitário, - não nominado pelo autor -, e que passa fome quase o tempo todo da narrativa. Ele vive essa situação de pobreza devido ao fato de não conseguir encontrar emprego, e também, por causa do seu orgulho.

O personagem percorre a cidade de Cristiânia com o seu cotoco de lápis e pedaços de papel, ao mesmo tempo em que tenta escrever um artigo, crônica ou qualquer texto que possa ser aceito e publicado por algum jornal da cidade, e com isso ganhar alguns trocados que serão usados para aplacar a sua fome e miséria por alguns dias. Através da escrita ele sacia a fome e, em certos momentos, ele vive o dilema de não ter inspiração para escrever, e como consequência, não ter o que comer.

O livro em certos momentos soa repetitivo, porém, é possível perceber que se trata de um ciclo, cuja intensidade vai aumentando, revelando as oscilações psicológicas do personagem vivenciadas através da fome.

"É o diabo, a gente ir se deixando desfigurar, vivo, unicamente por obra da fome."

A partir da miséria do personagem somos apresentados ao ápice do desespero causado pela fome. Durante a narrativa, acompanhamos o estado de espírito do personagem transitar entre a fome, a miséria, o orgulho e o delírio.

"A fome, cruel, dava-me a vontade de sumir, de morrer; tornei -me sentimental e caí em pranto. Minha miséria nunca teria fim."

É um livro de enredo simples e com um texto de ritmo lento. Ele é incômodo, desagradável e traz sensações e sentimentos ruins. É tocante e melancólico. É angustiante o sofrimento físico e psicológico causado por não ter o que comer. Nesse livro, a fome traz um tipo de orgulho que se confunde com delírios à beira da loucura.

"A loucura lavava em meu espírito; deixei que lavasse, com plena consciência de estar submetido a forças que não poderia dominar."

^^
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umafacasolamina 30/09/2020

"a minha vida era já tão infeliz e miserável, tão irreparavelmente miserável que não valia a pena lutar ou esforçar-me por conservá-la nem um minuto."
dostoiévski escrevendo o apanhador no campo de centeio. me confirmou minha certeza que todo escritor é um sofrido.
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Rond 24/07/2023

Angustiante
É interessante observar como o autor aborda a relação entre orgulho e dignidade, mostrando como o personagem central é incapaz de aceitar ajuda ou comprometer-se com trabalhos que possam garantir sua subsistência, tudo em nome de um senso distorcido de dignidade e autoimagem. Essa postura nos leva a questionar o que realmente importa quando estamos à beira do abismo, e até que ponto somos capazes de renunciar à nossa própria sobrevivência em prol de princípios e crenças.

"Fome" é uma obra-prima da literatura mundial, que captura a essência da luta humana por meio de um personagem complexo e perturbador. A habilidade de Hamsun em tecer uma história tão envolvente e visceral, sem dúvida, nos faz refletir sobre nossas próprias prioridades e a fragilidade da existência humana. Para aqueles que buscam uma leitura impactante e emocionalmente intensa, "Fome" é uma escolha mais do que acertada
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Jão 25/08/2020

Um dos livros mais impactantes que já li.
Desempregado e sem dinheiro, o protagonista se vê perdido, sem rumo, perambulando pelas ruas como um cão desamparado à procura de alimento para abastecer o estômago vazio. E não importa o tipo de alimento, seja lascas de pau, osso cru, a própria saliva, o importante é preencher de qualquer forma esse órgão que o atormenta a todo instante. Extremamente orgulhoso, não é capaz de pedir um pedaço de pão seco para minimizar essa tortura que vem de dentro. Deseja ser visto como alguém importante, não quer se parecer frágil perante as pessoas com as quais dialoga. Dessa forma, sofre calado, esconde a própria fome, não deixa sua dor transparecer. Sem perspectiva de mudanças, deseja a morte, a fim de evitar tamanha angústia e sofrimento.
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Andre24 02/12/2022

Orgulhoso demais pra sobreviver
Não consegui me apegar ao protagonista. Ele conseguia piorar sua situação a cada esquina e depois ficava reclamando como se o destino fosse culpado. Cheguei a achar divertido quando ele abandona a fé e culpa os céus (talvez esperando uma resposta como a de Jó) e nada acontece. O relacionamento com a Ialaiala tbm foi bem apressado, tanto o início quanto o desfecho.
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Peleteiro 25/01/2020

Compulsivo e insano, mas não delirante
Acredito que a expectativa criada por conta da quantidade de elogios que grandes escritores dirigem a esta obra acabou afetando a minha leitura. Esperando uma obra-prima sensível ou até poética, me deparei com uma narrativa compulsiva e realista, no seu sentido mais cru, que não me encantou e me exigiu esforço para terminar a leitura. A supressão de determinados pronomes e algumas escolhas de palavras da tradução de Drummond podem ter afetado a minha avaliação. Ao invés de traduzir determinada expressão para algo como "sério?" ou "jura?", em certo momento, o tradutor optou por "deveras?", por exemplo. O que ficou, no mínimo, enfadonho.

Apesar disso, é inegável o domínio da escrita por parte de Knut Hamsun, que, não à toa, foi imortalizado por este trabalho. A capacidade de transportar ao leitor a aflição e a "desumanização" que o personagem sofre impressiona. Por fim, vale ressaltar o primoroso trecho onde descreve o passeio e o encontro com a moça que chama de Ilailá.
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fsamanta (@sam_leitora) 10/04/2009

O que me chamou a atenção neste livro foi que a edição que eu li foi traduzida pelo Carlos Drummond de Andrade. A história deste homem que passa fome me causou profunda angústia. Com ele vaguei pela história em busca de alternativas, sentindo a pressão da necessidade e do tempo.
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Val Alves 08/12/2021

Escrever, a arte da fome
Estive, nos últimos dias, diante desse personagem sem nome que jamais esquecerei, apesar de não saber como irei chamá-lo. "O artista faminto" talvez...
Um escritor na miséria não é o enredo dos mais originais (o que me faz questionar se essa arte é assim mesmo tão mal recompensada) entretanto, nesse caso essa estória é contada de forma completamente original e, se não tivesse alcançado o êxito que teve,  certamente o mereceria.
Apesar de não ter um nome o que não falta para O artista faminto é criatividade, tanto para inventar alguns nomes para si quando 'necessário', quanto para criar personas absolutamente sem necessidade. Além de, no meio de um cenário totalmente desfavorável,  criar espaço para devaneios amorosos.
Mas ele sente fome. Muita fome. Fome generalizada. Não apenas falta-lhe comida,  mas tudo o mais que poderia manter sua dignidade enquanto ser humano e artista.
Ele não tem o que comer, onde morar e nem condições de fazer o que mais deseja que é escrever. Dignidade essa que ele defende através de seu orgulho em não aceitar ajuda, mesmo quando na mais absurda penúria. E jamais abre mão de seu ofício.

Há situações absurdas onde ele coloca para dentro de seu organismo subnutrido coisas inimagináveis, enquanto caminha atrás de seu objetivo de gerar uma obra louvável, colocando diante do leitor cenas angustiantes, que incomodam o nosso estômago e perturbam a nossa mente pois duvidamos que ele esteja passando por tudo aquilo mesmo e que, algumas coisas descritas, possam ser fruto da alucinação de uma pessoa que já demonstra perda dos sentidos de um corpo que já falha.


Entendi que um texto desses, onde um ser humano tenta desesperadamente manter
a dignidade e a criatividade mesmo no auge da privação e sem abrir mão de seu ideal criador, provavelmente deve guardar uma metáfora sobre a arte de escrever e de ser um artista nesse mundo onde a realidade frequentemente não gera espaços para sonhar, buscar inspiração e criar cenários onde seja possível superar suas mazelas e não perder a fome de viver. E, que no entanto, o ofício de escrever acaba sendo uma exigência desse ser e que para isso não encontra outra saída a não ser escrever. Isso justificaria o personagem fazer um longo caminho de volta a um lugar onde esqueceu um pedaço de lápis do qual ele descreve como algo de profundo valor.
Portanto, minha interpretação é de que a Fome do artista sem nome representa o sublime e ardente desejo de uma alma ambiciosa que não se curva diante a inópia e que nem a mais completa penúria é capaz de subjugar.

Apesar da angústia causada, um livro maravilhoso!
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Marcus.Paulo 27/08/2020

Mais que o próprio personagem principal, a fome e as consequências dela para o ser humano me fizeram refletir, todos os delírios e alterações que passa o personagem, sua moral, tudo é afetado pela fome.
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Pedro.Braga 03/05/2022

Brazil, 2022
Esse livro é a história de um brasileiro vivendo durante o governo Bolsonaro. O cara trabalha o ano todo e no fim do mês consegue comprar um saco de arroz e um de feijão.
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leonardo.fsousa 06/06/2021

Gostei bastante da leitura, apesar de ser bem angustiante. O cara passa a vida dele trocando seus escritos por uns bons trocados para se manter.
Tem uma parte que é parecida com um célebre cena bem conhecida do Chaves, o Seu Madruga puto pra caramba.
"Senhoras e senhores, estou perdido, estou derrotado! E não disse mais nada, durante todo o tempo em que fiquei ali pisoteado o chapéu.

Outro trecho interessante é este, falando da importância de um lápis:
"Embora pareça insignificante, foi este toco de lápis, muito simplesmente, que me fez aquilo que eu sou no mundo; foi ele que, por assim dizer, me deu um lugar na vida"

Ademais, o texto é bem triste, não espere nenhuma alegria, é só coisas bem pra baixo.
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Ibn.Al-Ahlam 16/06/2024

Um retrato existencialista
Knut Hamsun ? ou Knut Pedersen, seu verdadeiro nome ? foi incrível neste livro. Sua escrita nos causa sede, a leitura flui tanto que é impossível não despertar em si o desejo de continuar navegando em suas águas. Apesar de sua vida pessoal ter sido de um verdadeiro pífio!, nesta obra, repito, Knut foi incrível.

O personagem, um sem-nome, possui apenas um toco de lápis, papéis e, geralmente, muito geralmente, fome. Para sobreviver, tentava escrever para jornais, sua cabeça, porém, inquieta, tornava o ofício um desafio angustiante. Cheio de orgulho e princípios, era, muitas vezes, o próprio autor de sua desgraça.

A partir das atitudes do personagem, vê-se a genialidade de Knut, vê-se o quê do existencialismo. O autor, ao longo da estória, vai "brincando" com o seu personagem, traçando os caminhos moralmente corretos, mas deixando bem claro a sua decadência a cada ato "justo" e bondoso; e, mais que tudo, deixando claríssimo que somos reféns da absurda liberdade, junto a agonizante responsabilidade. O personagem é dono de uma liberdade infinita... que fazer com tanta liberdade? Agir de má-fé! Noutras palavras, conformar-se com a visão de mundo alheia, escapando de sua própria Verdade e negligenciando a sua própria liberdade e responsabilidade. Nada nunca dando certo, o personagem vê-se fora de si, agindo muitas vezes por impulso, de maneira a acharem-no louco ou ele mesmo crer nisso... mas, no fundo de toda aquela loucura, havia sempre uma consciência... a consciência, talvez, de possuir a tal liberdade e a tal responsabilidade.

"Assim me ordena igualmente a própria consciência..."
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regifreitas 27/06/2021

FOME (Sult, 1890), de Knut Hamsun; tradução Adelina Fernandes.

O norueguês Knut Hamsun foi o vencedor do Nobel de Literatura em 1920, principalmente por sua obra OS FRUTOS DA TERRA (1917). Polêmicas não faltam em torno do autor. Nos anos 1930, ele apoiou a ocupação nazista na Noruega; posteriormente escreveu vários artigos pró-fascistas; e, em 1947, foi julgado por suas opiniões políticas. Hamsum nunca demonstrou remorso ou arrependimento por suas posições.

Em FOME temos um narrador-personagem, nunca nomeado, vagando pelas ruas de Cristiânia (atual Oslo). Sempre faminto, passa os dias escrevendo ou tentando vender seus escritos. Vez ou outra acaba publicando alguns artigos em jornais da cidade, rendendo-lhe um breve sustento por poucos dias. Apesar da sua penúria, não é um personagem que causa empatia. Ele é arrogante e orgulhoso na maior parte das vezes. Sofre de grandes variações de humor, e chega a sofrer alucinações por conta da fome e das privações pelas quais passa. Contudo, mesmo na situação delicada em que se encontra, recusa-se a se submeter, a exercer uma ocupação “menor”, que lhe valha pelo menos para o básico da sobrevivência; também não aceita receber qualquer ajuda dos seus conhecidos.

Hamsun não nos dá praticamente nenhuma informação sobre o protagonista; não sabemos quem é, de onde veio, o que o levou a chegar a esse ponto da vida. Por conta disso, a obra se mantém monocórdia, a narrativa é repetitiva, não apresentando quase nenhuma evolução para além da temática da fome e das agruras pelas quais passa o personagem. Em um conto, tal abordagem talvez teria sido mais eficiente. Para uma obra mais longa, as situações se estendem além da conta.
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