Carlos Nunes 06/11/2024
Personagem conhecido, mas história, nem tanto...
DRÁCULA é um daqueles personagens tão conhecidos e influentes que a grande maioria das pessoas acha que nem precisa ler o livro porque já conhece a história. Ledo engano. Claro que lendas sobre vampiros ou criaturas semelhantes já existiam em vários lugares antes da publicação do livro do Bram Stoker, mas o fato é que depois dele ficou difícil imaginar um vampiro sem as características do personagem. Desde 1922, quando estreou Nosferatu, que é uma adaptação mal disfarçada e tem esse nome por conta dos direitos autorais, estima-se que já são centenas de adaptações ou participação do personagem em outras histórias, entre cinema, televisão, videogames e desenhos animados. Mesmo assim, quem pega o livro original para ler se surpreende, primeiramente porque não é exatamente um livro de terror, pelo menos para os padrões atuais, porque as cenas são muito mais sugestionadas do que explícitas. E mesmo sendo o catalisador de todos os acontecimentos do livro, o Drácula mesmo pouco aparece. O livro é todo composto de vários tipos de escritos: cartas, entradas de diários, recortes de jornais, transcrições de gravações, tudo organizado de forma cronológica a fim de formar uma história coesa, e eu achei isso uma decisão acertadíssima do autor, porque dá um dinamismo muito grande à história, mantém o interesse e faz com que a leitura do livro fique mais ágil.
DRÁCULA foi publicado em 1897, e é um exemplo tardio do gótico, que já estava em declínio no momento. Afinal de contas, nas cidades escuras, sujas e perigosas da época, o perigo estava à espreita em cada esquina, não havia mais a necessidade de castelos isolados em lugares remotos. Mas tirando esse aspecto, DRÁCULA tem muitos ingredientes vitorianos, como mocinhas em perigo, o interesse por novidades científicas e tecnológicas, o preconceito e a desconfiança com tudo o que vinha do estrangeiro, as histórias estranhas vindas de países exóticos, e muito do moralismo típico da época. DRÁCULA tem essa ambientação bastante típica do período vitoriano, mas ao mesmo tempo, também subverte alguns desses pontos, com personagens como a Lucy, que tem ideias bem avançadas sobre o casamento e comenta abertamente seus flertes românticos, mas principalmente com três vampiras que atacam o personagem Jonathan, numa cena até bem picante, considerando a época.
Apesar do tema, DRÁCULA é um livro bastante conservador e “certinho”, com vários estereótipos bem evidentes, como a luta do bem contra o mal e a fragilidade da mulher, por exemplo. E há muitas teorias de que o autor teria colocado aqui em DRÁCULA, de forma sugestionada, alguns de seus questionamentos íntimos, incluindo aí uma suposta tendência homossexual, mas eu acho isso uma grande bobagem, pelo menos nesse caso. Muito se fala sobre os possíveis significados desse livro. São muitas teorias sobre o que o autor quis dizer, fazendo analogias e utilizando personagens e situações como símbolos de medos e traumas reais, e é tanta coisa que eu acabei tendo a certeza de que ninguém sabe de nada. Eu penso que depois da virada do século XX, quando as ciências da mente, em especial a Psicologia e a Filosofia tiveram avanços enormes, trazendo todo um leque de novas explicações e possibilidades, e isso se refletiu na literatura a partir daí, os estudiosos utilizaram esses conceitos também nas obras mais antigas, e começaram a ver e imaginar ideias e explicações que talvez nem tenham passado pela cabeça dos autores. Em muitos casos, a gente sabe que existem ali mensagens e denúncias, mas eu penso que em outras obras isso é meio forçado, por exemplo, quem é que vai procurar significados ocultos em OS TRÊS MOSQUETEIROS, O CONDE DE MONTE CRISTO ou nos livros do Jules Verne? Para mim, esses autores queriam apenas escrever boas histórias e ganhar dinheiro com seus livros, e eu penso que esse foi também o caso do DRÁCULA. Eu não descarto essas colocações, elas fazem todo o sentido, mas para mim são elementos já presentes em mitos antigos de vampiros e enraizados no inconsciente coletivo, e não colocadas de propósito pelo autor. O que para mim ficou evidente nesse livro é o confronto entre a modernidade e as tradições, situações e criaturas tidas como folclóricas mas que de repente aparecem desafiando todas as descobertas científicas e as explicações racionais. Gostei muito do personagem Van Helsing, que mesmo sendo um médico a par das mais recentes descobertas da Medicina, como a transfusão de sangue, também não descarta as antigas tradições tidas como folclóricas e é justamente quem defende desde o início que os acontecimentos estranhos que estão ocorrendo não são naturais e estão interligados.
Não é um livro perfeito, é bem escrito, mas é uma escrita simples, nada de excepcional, tem algumas falhas de continuidade, mas consegue manter o interesse, só a parte da perseguição ao Drácula é que achei um pouco esticada, mas nada que diminua o interesse na leitura. É um livro fácil de ler e bastante divertido e ainda tremendamente influente, daquelas que ficarão para sempre na história da literatura, e que só por isso já merece ser lida.