Roberto Soares 19/01/2024Bram Stoker não criou o vampiro, mas o consolidou de tal forma na literatura que "Drácula" se tornou um divisor de águas na representação dessa criatura na cultura popular.
As lendas sobre o vampiro que influenciaram a obra de Stoker vieram do leste europeu, uma região tida como primitiva e supersticiosa, berço do que é oculto, antigo e sobrenatural. Mas em "Drácula" o vampiro deixa de ser o cadáver morto-vivo esquelético das histórias e se estabelece como o aristocrata nobre e refinado da literatura, dotado de certos poderes sobrenaturais e capaz de se misturar na sociedade.
É na obra de Stoker que irão se consolidar aqueles aspectos que hoje fazem parte da imaginação popular e que passaram a ser frequentemente usados em obras do subgênero vampírico: o uso do alho e de objetos religiosos para repelir a criatura; a figura do caçador de vampiros; a falta de reflexo no espelho; a luz do sol como uma fraqueza; a habilidade do monstro de se transformar em animais, como morcego e lobo, e também de controla-los; a ênfase em dentes salientes e pontiagudos; a habilidade de exercer certo domínio sobre fenômenos da natureza, como a névoa e a chuva.
"Drácula" é um livro inesgotável, que permite infinitas interpretações. Na primeira vez em que o li, há 10 anos, eu fui atrás de uma história de terror macabra e cheia de ação. Saí frustrado. Não que isso não exista aqui, mas surge em doses bem esparsas. Há o macabro no saco com o bebê que o conde joga para suas noivas e na profanação do corpo de Lucy. E a ação crescente na perseguição do vampiro é realmente de tirar o fôlego.
Mas "Drácula" tem muito mais a oferecer para quem se dispuser a uma leitura atenta. Há uma relação com o feminino que torna Mina, na minha opinião, a personagem central. É como se Stoker quisesse retratar a mulher ideal, com um equilíbrio perfeito de autonomia, perspicácia e submissão. Na verdade, todos os personagens são representações de um modelo de conduta: integridade, vigor, dever, coragem e temor a Deus. E aí entra o aspecto cristão que permeia toda a obra, sendo a destruição de Drácula encarada como uma missão divina para remover o Mal do mundo.