Rafael Mussolini 30/07/2020
Interiorana
"Interiorana" da Nívea Sabino (Edição da autora, 2018) é um livro de poesias que como disse bem a Michelle Sá no prefácio "esse livro tem um potencial de mundo." A Nívea, artista e poeta de Minas Gerais, mais precisamente de Nova Lima, possui uma escrita certeira, não por ser moldada por estilo, métrica, forma , mas por dizer daquilo que vem da observação, da vivência e do mais íntimo da memória individual, coletiva e afetiva. Sua escrita flui e explode porque também é feita de liberdade.
Nívea Sabino com "Interiorana", se torna um grande exemplo da qualidade da literatura e das publicações independentes que eclodem pelas nossas periferias. Nívea vem carregando consigo suas experiências como mulher preta, feminista, lésbica e periférica, portanto, sua escrita se torna mais uma oportunidade e uma aliada para mostrar ao mundo a existência de outros mundos, e quando esse mundo é apresentado por alguém que o habita e que não tem medo de transitar o resultado é imersão numa escrita que comunica de braços dados com a literatura.
Assim como domina as letras, Nívea domina a arte de declamar. Ler "Interiorana" foi uma experiência de ter letra e voz de Nívea no cangote. Quem já teve a oportunidade de ver a autora declamando qualquer texto entenderá bem o que digo. Para Nívea "a poesia falada não vive presa na livraria" e é por isso que ela leva sua poesia para diversos espaços da cidade onde a voz e o corpo também são potências.
Na primeira parte do livro "Não creia em perfeito, seu feito é seu jeito" Nívea trata mais das questões dos encontros, dos afetos e dos amores em suas mais variadas formas. Estabelece também um olhar sobre sua própria produção.
Na segunda parte intitulada "Nova Lima em pressa" a autora presenteia sua cidade com algo que não tem preço, que é a manutenção da memória. São poesias que olham para a individualidade para dizer também do coletivo. Falam sobre sociedade, lugar, morada, identidade e pessoas que marcam e constroem uma localidade.
Na terceira parte "Pra mãe e pro pai: ausência sentida" a autora evoca a saudade de seus pais, revisita seus laços, em textos onde a ausência é tão forte que se torna presença e reflete na mulher que Nívea Sabino se tornou.
E o livro termina com um outro presente aos leitores. Temos o pequeno "Conto de Piquita - Pititu - Pi.
A "Interiorana" consegue falar sobre os mais diversos assuntos com beleza, naturalidade e conhecimento de causa. É um livro onde a poesia pode ir da saudade à despedida, do amor à ironia, da violência à emancipação do corpo preto, do amor familiar ao sexo, sem perder o flerte com uma costura de ideia e das palavras que faz com que a gente sinta a necessidade de ler em voz alta para si ou para alguém. Interiorana é muito para ficar só com a gente.
A edição de "Interiorana" também é algo que precisa ser exaltado. É um livro muito bonito, bem e bem diagramado. O projeto gráfico e diagramação foram feitas pelo Alexandre de Sena. Conta com ilustrações belíssimas da Raíssa Angrisano. A arte criada pela ilustradora representa corpos negros de mulheres, transferindo a ideia de "interior" para representações de corações que pulsam, para o verter de líquidos de seios, do sexo como florescer, entre outros traços que exploram a nudez de forma que não é aleatória. A nudez se apresenta aqui como a ideia da nudez de quem tem algo franco a dizer, de mulheres que estão nuas pelo fato de decidir se expor através das ideias, pois falar o que vem de dentro e denunciar o que precisa ser denunciado se assemelha a nudez pelo que carrega de libertador e de tabu. "Interiorana" é um livro de uma mulher sobre várias mulheres que se mostram e que são vistas porque lutam por seus espaços de direito.
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