Arsenio Meira 01/08/2013
SEMPRE ELE
Estava lendo dois livros gigantescos: "LUZ ANTIGA", excelente romance do escritor irlandês John Banville (já perto do fim da leitura), e a antologia dos poemas ora resenhada, dele, sempre ele, Fernando Pessoa.
Em novembro do ano passado fez 77 anos que o Poeta português morreu. Ele, quase uma unanimidade, considerado o maior poeta da língua portuguesa(eu até hoje prefiro Drummond. Não adianta... Porém, penso em Pessoa como um ser de outra galáxia. Vai ver que era mesmo.)
E sobre Fernando Pessoa há tanto a dizer.
A grande razão da permanência do Poeta e do renovado interesse que ele desperta em todos os leitores, reside na maneira como enxergou ou desbravou a difícil harmonia entre sentir e pensar.
Esse paralelo entre a sensação com o conceito tem movido milhões de átomos pensantes entre os bambas da filosofia ocidental.
O que em mim sente, está pensando, decretou Pessoa.
Sua Poesia escancarou essas duas formas de conhecimento; experimentando todas as formas de lidar com essa dicotomia, trouxe-nos até mesmo a impossibilidade de lidarmos com ela: Ver é enganar-me,/Pensar um descaminho,/ Não sei.
Pessoa, como dizem, foi mesmo um meteoro que se abateu sobre nossas cabeças.
Ele tinha ascendência judaica. Daí, talvez, ter criado os seus alteregos gregos, os pagãos Alberto Caeiro e Ricardo Reis. Aliás, dos seus heterônimos, múltiplos e variados, percebe-se, de plano, uma personalidade multifacetada e genial.
O mesmo se pode dizer do seu agudo senso de humor, fielmente retratado no famoso verso o poeta é um fingidor
Em determinado dia, Fernando escreveu Ah, poder ser tu, sendo eu!/Ter a tua alegre inconsciência,/ E a consciência disso! e, assim traduziu o recôndito desejo que vagueia em praias humanas há milênios: no palco da vida, nós almejamos o ser inconsciente, mas sem perder de vista o nó da lucidez.
Mas também pairam seus episódios trágicos, como o suicídio do seu melhor amigo, Mário de Sá-Carneiro (também grande poeta).
Em Paris, pouco depois de escrever ao próprio Pessoa, tranquilizando-o que não mais pretendia se matar, Sá-Carneiro vestiu um smoking e num quarto de um hotel de quinta categoria, deitou na cama com lençóis puídos, mofados e tomou veneno, consumando o ato (o contraste entre a indumentária escolhida por Sá-Carneiro e o cenário de sua morte é bem sintomática.)
Muito o que falar: como por exemplo, a sua inaptidão para os negócios (Fernando Pessoa perdeu tudo o que a avó Dionísia lhe deixara, com a bancarrota da gráfica Íbis).
Nesse período, viveu na penúria. Morava em cima de uma leiteria.
Em vida, como sabemos, publicou um único livro: "Mensagem." Concorreu a um concurso. Pra variar, perdeu para um poeta hoje mundialmente conhecido como anônimo ou ninguém.
Octavio Paz, referindo-se a Pessoa, escreveu com exatidão que nada em sua vida é surpreendente nada, exceto seus poemas.
No entanto, o notável Nobel mexicano não poderia deixar passar em brancas nuvens a angústia que levou Pessoa a escrever sua primeira carta de amor, tão somente aos 32 anos.
Não há como pensar em Fernando Pessoa, sem associá-lo à figura de um homem triste, malgrado o universo repleto de personas poéticas que ele mesmo criou.
Ronald de Carvalho e Cecília Meireles foram os primeiros poetas do modernismo brasileiro a conhecer profundamente a obra do vate lusitano.(Cecília era filha e neta de portugueses, e seu primeiro marido, também luso, foi contemporâneo do poeta.)
Imagino o deslumbramento de Cecília Meireles diante da descoberta do universo de Pessoa. Consta que ela tentou encontrar-se amistosamente com ele em Portugal, mas ele, antecipando o modus operandi "Tim Maia", marcou, deixou tudo certo, como local e hora, e não foi.
Drummond iria ao encontro de Cecília nem que fosse no Saara, e Quintana idem. Vinicius não só iria, mas tenho pra mim que se tivesse ido, casaria com ela até numa mesa de confeitaria
Ela sabia de tudo isso, e jamais deixou-se levar pela conversa deles, mas também permaneceu amiga de todos até o fim.
Todos se reconheciam e se respeitavam como membros do mesmo time e eram fiéis ao que entendiam sobre o ser humano e, sobretudo sabiam da missão literária que lhes fora incumbida.
Fernando António Nogueira Pessoa morreu em Lisboa, de hepatite alcoolica, em 1935, aos 47 anos.
Dele, transcrevo para o Skoob os versos abaixo. Demonstram bem a grandeza e o tormento desse ser humano, desse poeta inigualável, que um dia rogou a Deus:
Senhor, protege-me e ampara-me.
Dá-me que eu me sinta teu.
Senhor, livra-me de mim.