Tatiane 29/03/2022
Desde sempre os "Mamãe Falei" estão em nosso meio #elenão
Uma menina com pais e irmãos morrendo de fome, atacados pela febre amarela, epidemia de meados do século XIX no Rio de Janeiro, busca trabalho e pede ajuda em sua rua para comprar remédios e comida para sua família que está à beira da morte. Um vizinho bem mais velho vê aquela situação, a chama em sua casa e lhe dá algumas moedas depois de fazer coisas que ela nem imaginava existir. ("É FÁCIL PORQUE É POBRE?!") O pai sobrevive e pergunta à filha como tinha conseguido aquele dinheiro. Em sua inocência, a menina conta tudo o que ocorrera e, considerada [*****] por aquele homem que deveria protegê-la, é expulsa de casa pela vergonha causada. (A VÍTIMA É A CULPADA?!) Assim morre, para os que a conheciam, a jovem Maria da Glória e nasce, em um novo mundo, Lúcia. Os nomes, por sinal, fazem todo sentido. Esta é a história inicial da vida de Lúcia, personagem principal do romance "Lucíola", do super conservador, escravocrata, "homem de bem", José de Alencar.
(É um clássico, mas quem não leu pode não querer spoiler. Então pare aqui.)
A história se desenrola e aquela menina, transformada em mulher pela sociedade machista e patriarcal, só pode DEIXAR DE SER LÚCIFER (Lúcia) e VOLTAR A TER A GLÓRIA DA PUREZA DE MARIA por meio do amor verdadeiro de outro homem. (CURIOSO O FATO DE O SALVADOR DAQUELA POBRE ALMA TER DE SER UM HOMEM...) Esse amor, porém, para manter a moral e os bons costumes de uma sociedade preconceituosa e hipócrita não pode se manter no campo físico e real. A Maria da Glória precisa vencer a morte para pagar pelos pecados de Lúcia e manter, na imaterialidade da eternidade, o amor espiritual. Enquanto isso, aquele que abusou de uma menor e toda a sociedade hipócrita formada por inúmeros "homens de bem" continuam livres, curtindo a vida e os seus privilégios sociais.
A pergunta que faço é: quando você leu, na escola, alguma das mais famosas obras da prosa romântica brasileira, para conhecer o Romantismo na Literatura, seu/sua professor/a levantou alguma questão que tratasse do absurdo da posição da mulher na sociedade do século XIX? Por acaso ele/a levantou alguma reflexão sobre os preconceitos que reproduzimos ainda hoje, até mesmo sem perceber, e motivou o questionamento sobre sua origem e manutenção?
É preciso ir a essas fontes com muita atenção e audácia, porque é por meio delas que nossos preconceitos foram se naturalizando a ponto de considerarmos, muitas vezes, normais os absurdos e as violências ainda hoje praticadas. Dar nome às violências é o primeiro passo. E nada de cancelamentos! É conhecendo a História e as inúmeras histórias que dela provêm que podemos entender o mundo de onde viemos para escrever o mundo que queremos. E, com certeza, não é com idiotas como este que está no poder.