Leila de Carvalho e Gonçalves 09/06/2019
Primeiro Romance
?No Jardim do Ogro? é o romance de estreia da franco-marroquina Leila Slimani. Lançado na França em 2014, ele antecedeu seu grande sucesso, ?Canção de Ninar?, vencedor do Prêmio Goncourt quatro anos depois.
Sinteticamente, seu foco é a compulsão sexual e consequente decadência moral da protagonista, Adèle, uma jornalista casada com um médico bem sucedido e mãe de um filho pequeno. A fachada impecável para esconder seu vício é apresentada por um narrador neutro que, em paralelo, eviscera a arriscada rotina e a solidão que a persegue, problemas que remontam à infância.
Numa entrevista concedida para a Folha de São Paulo, em 31 de maio de 2019, Slimani afirma que o romance foi inspirado na acusação de assédio contra o político Dominique Strauss-Kahn, ocorrida há 8 anos. O ex-ministro foi tratado como ?viciado em sexo? pela imprensa francesa e como ela desconhecia a patologia, resolveu entrevistar tanto psiquiatras como portadores, encontrando um tema instigante para um romance.
Ela também considera Adèle uma protagonista atemporal, semelhante a e tem mulheres da ficção que admira, tal qual a personagem-título vivida por Catherine Deneuve no filme ?A Bela da Tarde? (1967), de Luis Buñuel, ou no clássico da literatura ?Madame Bovary? (1856), de Gustave Flaubert, pois ambas têm aventuras sexuais extraconjugais em um processo de autodescobertas. ?Adèle poderia viver no século 19 ou na década de 50?, diz a escritora.
Por fim, cruel e exibindo personagens com qualidades e defeitos, nem bons nem ruins e dignos de compaixão, ?No Jardim do Ogro? coloca à prova a instituição do casamento, confronta amor e desejo e também arranha a fina camada de verniz que protege a classe média, deixando à mostra uma área cinzenta em que sexo e traição sempre foram parceiros.
Segue um trecho do livro:
?Faz uma semana que ela aguenta. Uma semana que ela não cedeu. Adèle comportou-se. Em quatro dias, correu trinta e dois quilômetros. Foi de Pigalle até os Champs-Élysées, do museu d?Orsay até Bercy. Ela correu de manhã nos cais desertos. À noite, no boulevard Rochechouart e na place de Clichy. Não tomou álcool e foi deitar cedo.
Mas, esta noite, ela sonhou e não conseguiu dormir de novo. Um sonho úmido, interminável, que se introduziu nela como um sopro de ar quente. Adèle só consegue pensar nisso. Ela se levanta, toma um café bem forte na casa adormecida. De pé na cozinha, ela balança de um pé para o outro. Fuma um cigarro. Sob o chuveiro, tem vontade de se arranhar, de rasgar o corpo em dois. Ela bate a testa contra a parede. Quer que a agarrem, que arrebentem seu crânio contra o vidro. É só fechar os olhos que ela ouve os barulhos, os suspiros, os gritos, os golpes. Um homem nu ofegando, uma mulher gozando. Ela quer ser homem nu ofegando, uma mulher gozando. Ela quer ser apenas um objeto no meio de uma horda, ser devorada, chupada, engolida inteira. Que belisquem seus seios, que mordam seu ventre. Quer ser uma boneca no jardim de um ogro.?
Nota: Comprei o e-book e recomendo.