Ana 15/12/2019
De uns dias para cá estou sofrendo com um bloqueio criativo gigantesco, que não apenas me impede de ler com a frequência que preciso, mas também me atrapalha a falar sobre os livros que ando lendo. Engraçado começar essa resenha falando isso, mas acho que precisava dizer para as coisas começarem a fluir de novo, talvez. Hoje, especialmente, falarei sobre Um Lugar Bem Longe Daqui, obra que me deixou deveras intrigada logo no seu lançamento, e que me deixou muito, mas muito pensativa assim que finalizei a leitura.
Catherine "Kya" Clark tinha apenas seis anos quando sua mãe foi embora pela estradinha minúscula que chegava até o barracão onde moravam, no brejo, em 1952. Pouco tempo depois, foi abandonada pelos irmãos, que, assim como Ma, não aguentavam mais o pai violento. Kya ainda ficou na companhia do pai por um tempo, até que um dia ele saiu e nunca mais voltou. A partir daí, o brejo passara a ser a companhia da garotinha, não apenas sua casa. Aprendeu a pescar, cozinhar, manter a casa em ordem e, principalmente, aprendeu a se esconder.
Um Lugar Bem Longe Daqui alterna a narrativa entre presente e passado, nos contando um pouco da história de abandono da protagonista, desde quando a mãe vai embora até sua vida adulta. Fico pensando se algum dia terei contato com algum outro personagem tão determinado. Apesar da solidão e da melancolia que a consumiam, Kya nunca desistiu de sobreviver. Mesmo com todo o preconceito, já que era conhecida como a "Menina do Brejo", ela continuou seguindo sua vida, tentando até mesmo se aproximar de algumas pessoas.
Primeiramente surgem Pulinho e Mabel, um casal dono de uma pequena lojinha que se compadece da situação da garotinha e passa ajudá-la da forma como podem, seja comprando mariscos e peixes defumados sempre que ela levava, seja doando algumas roupas usadas, dando alimentos. Pulinho acaba se tornando, de certa forma, o pai de Kya. Foi um dos meus personagens preferidos. Aliás, é importante, talvez, salientar que Pulinho e Mabel eram pessoas negras em uma história que se passa em meados de 1950, 1960, na Carolina do Norte, época e lugar onde o racismo dominava. Acredito que por sofrerem tanto, os dois eram totalmente livres de preconceitos.
Outro personagem essencial para a história é Tate, o primeiro — e talvez único — amor de Kya, um garoto sensível e inteligente, fascinado pelo brejo. É ele que faz florescer o conhecimento da menina, já que é ele quem a ensina a ler. A partir daí, conhecemos uma personagem diferente, mais forte e mais inteligente. E é engraçado, porque no meu primeiro contato com o livro imaginei que acompanharia a vida de uma selvagem, mas Kya é totalmente o oposto, possuidora de uma intelectualidade obviamente desconhecida por todas as pessoas que simplesmente a viam como a Menina do Brejo.
Porém, como nem tudo são flores, Tate vai fazer faculdade em outro estado e, mesmo prometendo, não volta mais. A vida de Kya, como puderam perceber, é cercada de abandonos e muito drama. Ainda que o estilo de narrativa Delia Owens não tenha sido usado para despertar pena da protagonista, é impossível não sentir, no mínimo, empatia. Quando Tate vai embora, é a vez de Chase Andrews se aproximar da garota, que estava sensível e vulnerável. Ela viu em Chase um porto seguro, alguém em quem ancorar. Mas é óbvio que não se podia esperar muita coisa do garoto mais cobiçado da cidade, não é mesmo?
E aí que vem o ponto principal da história, que não é spoiler, não se preocupem: Chase Andrews é simplesmente encontrado morto em uma manhã de outubro de 1969 e, é claro, todas as pistas — ou falta delas — levam à Kya. Justamente por isso o estilo de narrativa, mesclando passado e presente, de forma que consigamos chegar em alguma conclusão a partir das informações que nos são dadas. Apesar desse mistério no enredo, o foco do livro está em contar a vida de Kya, e foi por isso que eu gostei tanto dele. A morte de Chase só começa a aparecer da segunda metade para o final, quando toda a colcha de retalhos da história da protagonista foi costurada.
Ai gente, simplesmente não tenho palavras para Kya, seu amadurecimento, a construção inteirinha dela. É simplesmente impressionante. Tudo aqui é impressionante e intenso. A forma como autora trabalha inclusive com o brejo, que acredito se encaixar aqui como um personagem, é de cair o queixo. A única conclusão que eu consegui chegar é que, de verdade, não sei exatamente como me expressar em relação a Um Lugar Bem Longe Daqui. Talvez não seja o tipo de literatura que agrade a todos, mas me agradou e muito. Acho que merece demais todo esse hype em torno dele.
O mistério em si não é muito impressionante ou difícil de ser descoberto. O que impacta, na realidade, é a forma como é descoberto, quem descobre, como descobre. Acho que foi esse o motivo de eu ter ficado tão reflexiva, porque eu já sabia quem era o assassino desde o início, mas ainda assim a autora conseguiu me arrebatar, me surpreender. Engraçado é que, depois, quando parei para pensar, me dei conta de que é esse tipo de coisa que torna um livro, de fato, muito, muito bom.
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