Mariimagno 03/03/2022
Vale cada página
Foi um livro que mexeu comigo, me movimentou. Levando em consideração o número de páginas ele é surpreendente. É tão intenso e denso que parece ter umas 600 páginas.
O início é pesado, um pouco complexo. A estrutura da escrita deixa ele impessoal demais e faz todo sentido para o tipo de contexto que vai tratar.
Gostei como o foco ficou quase unicamente na Kya e todo a sua trajetória ao logo de 20 anos, nós acompanhamos tudo de perto. Nós vimos Kya sair de um criança assustada e abandona para uma adolescente cuidadosa, esperta, mas ainda assustada e mais uma vez abandonada.
E como isso resultou em todas as suas ações seguintes enquanto adulta.
O abandono é algo que cria raizes profundas na nossa alma. Não somos seres preparados para o abandono e a solidão. É um fato.
Amei o fato do livro embarcar em vários conhecimentos biológicos em busca de nós fazer compreender comportamentos naturais e mais tarde compreender os comportamentos de Kya, nas adversidades da vida.
Kya é uma sobrevivente. Sobre-VIVE no brejo.
Kya é uma mulher. O Brejo é a sociedade. A sociedade que designada a ela. Sociedade enquanto conjuntos de regras e convivência. O brejo é as regras, a convivência que ela conhece.
E nesse lugar arisco, ela produz riquezas.
Seria ela um produto do meio? Ou seria ela o próprio meio entre tantos produtos?
Ela tá inserida no mundo natural, enquanto todos se tornaram produtos do meios.
Kya se destaca aos olhos de homens: por ser diferente, natural, bela e tbm estranhamente fascinante. Ela brilha, reluz.
Mas esses homens não se sustentam nela, não conseguem se reduzir para viver com ela. E Kya tenta se minimizar, mas não dá. Ela é brilhante.
Tate:
Tate não volta, na verdade ele não consegue encarar a mulher selvagem que é Kya.
Ele pensa: Kya ou todo o resto?
A questão é Kya podia ser também todo o resto para ele. Ele ainda não sabe disso. Mas ele não consegue se comprometer a ela, a sua estranheza a sua natureza. Ele se fascina com o sucesso, com o próprio ego.
Mulheres que correm com logos tem alguns contos sobre isso. Um deles é a pele de foca. Isso me fez lembrar muito Tate. O que faz ele se apaixonar por Kya (a sua natureza, a sua força, sua forma selvagem é tbm o que o faz ir.)
Não só Tate como Chase, eles amam a mulher natural, mas não conseguem se entregar a ela. Tate foge e Chase tenta mudar Kya, estabelecer suas regras para ela.
Tate era a ancora que segurava Kya em terra firme, e se foi. Deixou sozinha no mar.
Nas incerteza, mas tbm na certeza no abandono.
Chase:
Eu adoro como tudo se encaixa na história.
Algo está gravado nos genes de Kya, como ela reflete várias vezes. Algo está marcado em sua vida, ela sabe que na natureza existe ciclos de repetições, comportamentos e eventos que parecem se repetir durante gerações e Chase surge sendo um repetição.
Na TCC (terapia cognitivo comportamental) diríamos que ela tem um esquema e o que faz ela procurar Chase é justificar o próprio esquema de desamor, desamparo e abandono. Ela sabe que Chase é alguém impossível, alguém que ela só pode esperar o pior, mas ela se permite ir. (Como quem diz: olha só eu sabia que ficaria sozinha para sempre).
Chase é como seu pai.
Freud diria: recordar, repetir e elaborar ( ela recorda tanto da mãe e o motivo da mãe ter fugido, algo que nunca pareceu ter resposta para ela, até que ela repete, entende - ela compreende a mãe dela - e mais do que isso ela elabora - não aceita continuar repetindo os comportamentos da mãe, diz: não vou ficar esperando o próximo soco. Kya escreve o seu final).
Isso é rico demais.
Ninguém salva ela no final. Ela se salva no final.
E o fim se liga ao início. O brejo tem a suas próprias leis. Kya vive sobre as leis que ela aprendeu, Kya vive sobre as leis do brejo.
No brejo ela nasce, cresce, aprende a sobreviver e morre.