Aione 14/07/2020Um Lugar Bem Longe Daqui é o romance de estreia de Delia Owens, cientista e escritora que foi co-autora de outros três livros publicados na década de 1990 explorando suas viagens pela África. Publicado no Brasil pela editora Intrínseca, o romance foi primeiramente enviado no clube de assinatura Intrínsecos e, também, escolhido para o clube de leitura de Reese Whiterspoon.
Kya é conhecida como “a menina do brejo”. Abandonada pela família ainda criança, foi forçada a crescer sozinha em um pântano, ambiente considerado por muitos sujo e hostil, mas que, para ela, é seu lar. A solidão e o senso de individualidade definem a personalidade de Kya e moldam sua vida, também marcada pelo preconceito dos demais habitantes da cidade em relação a ela.
Um Lugar Bem Longe Daqui é um romance de formação, no qual acompanhamos o crescimento de Kya de sua infância à vida adulta. Em terceira pessoa, a narrativa onisciente é próxima o suficiente para conhecermos as emoções da protagonista em profundidade, mas afastada o bastante para que, ainda assim, ela conserve segredos e uma objetividade necessária para a trama. Os capítulos se alternam entre o final da década de 1960, momento em que Kya já é adulta e ocorreu um assassinato na cidade, e os anos entre o começo da década 1950 até o momento da investigação do caso. Dessa maneira, tanto podemos compreender a formação da protagonista adulta como, também, ter uma pitada de suspense e tensão na história, uma vez que nos vemos curiosos pela resolução do caso.
A ligação com a natureza é extremamente presente e essencial na trama. O paralelo entre a personagem e o meio onde ela vive é construído página após página. Um Lugar Bem Longe Daqui é um elogio ao pântano e ao brejo, uma apresentação de sua riqueza e diversidade. E o meio, tão complexo e renegado, acaba por ser uma metáfora da menina a quem ninguém vê e dá valor. Assim, a linguagem utilizada por Delia Owens tem um tom poético e sensível ainda maior por estar tão conectada à natureza que rodeia Kya.
Mesmo que a narrativa tenha um tom mais lento, com acontecimentos se dando aos poucos e bastantes descrições, a força das dores de Kya é tanta que essa foi uma das personagens que mais senti vontade de acolher nos últimos tempos. Sua solidão e rejeição são palpáveis, a ponto de eu senti-las em minha pele. É impossível não se compadecer por todas as dificuldades que ela enfrenta. Também, a característica histórica da obra a coloca em um momento de extrema segregação racial nos EUA, o que permite ao leitor ter esse panorama. Embora a protagonista seja branca, dois dos únicos personagens que a ajudam ao longo da trama são negros, e o racismo que eles sofrem aparece na história, mesmo que em segundo plano.
Em linhas gerais, Um Lugar Bem Longe Daqui foi uma das minhas melhores leituras deste ano, tanto por sua construção — com direito a reviravoltas e um final que me tiraram o fôlego — quanto, e principalmente, por sua escrita sensível, capaz de desenvolver tão bem a protagonista e o meio em que ela vive.
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