Fernando Lafaiete 22/06/2017Monteiro Lobato: Racista ou figura emblemática deturpada pela mídia?
Ler Monteiro Lobato é sempre uma experiência única; devido a sua escrita simples, poética e profunda. Nesta coletânea de contos, nos deparamos com histórias tristes, "assustadoras", engraçadas e algumas bem estranhas.
Monteiro Lobato foi um escritor polêmico simplesmente por ser considerado racista. Em estudos literários idealizados por críticos, constata-se que nas histórias de O Sítio do pica-pau amarelo, Lobato utilizou (e abusou) de mais de 60 termos pejorativos para se referir à uma das personagens mais querida deste clássico infantil; a tia Anastásia.
Em seu único romance o choque das Raças (posteriormente intitulado O presidente negro), Lobato passa dos limites e utiliza termos mais do que racistas em uma história onde os Norte Americanos elegem o primeiro presidente negro. Em um dos trechos, lobato se refere aos negros da seguinte forma:
“A mim chega repugnar o aspecto desses negros de pele branquicenta e cabelos carapinha. Dão-me a ideia de descascados”
Ao começar a ler essa famosa coletânea escrito pelo célebre escritor, já fui bem atento, esperando encontrar todo esse viés racista tão associado ao mesmo. E acreditem... o que eu encontrei foi exatamente o contrário. A presença de personagens negros nas histórias de Lobato, é algo comum, principalmente se levarmos em conta o período histórico em ele viveu. No famigerado conto Negrinha, que dá nome à esta coletânea, nos deparamos com uma história profundamente triste, sobre uma criança negra, órfã e ex-escrava que é criada pela sua "ex dona" (ou devemos dizer dona?). Essa criação é sustentada por maus tratos e por um ódio tremendo proveniente dessa senhora (a dona) que reforça a todo momento que aceitou criar esse "animal" por caridade. O conto possui uma forte crítica social, onde Monteiro Lobato reforça que tratarmos alguém diferente devido a sua cor de pele é algo inaceitável. O conto é famoso e considerado um clássico da literatura brasileira principalmente pela epifania presente em um momento chave da história, onde ambas as personagens (principalmente a protagonista), finalmente entende a sua posição social, e o quão cruel e injusto o mundo é.
Muitos críticos e leitores fãs da obra de Monteiro Lobato reforçam que tal conto coloca abaixo toda e qualquer possibilidade do autor ser racista. Pois com uma crítica tão forte e palpável como a que encontramos neste clássico, como podemos dizer que ele era racista e defensor da eugenia nazista?
Confesso que a maneira a qual o autor retrata os negros nos contos apresentados aqui, me deixaram pensativo. Pois encontrei uma forma narrativa bastante respeitosa e que vai totalmente contra o pensamento nazista de ser. Mas em contrapartida, o que dizer dos termos pejorativos utilizados pelo autor em O choque das Raças (o presidente Negro) e sobre a personagem Tia Anastásia? Devemos considerar suas história apenas como ficcionais e os termos apenas reflexo dos pensamentos dos personagens e não reflexo do pensamento do próprio autor? Se a resposta for sim... o que dizermos então da carta escrita por Lobato à Arthur Neiva em 1928 e que veio à tona em 2011, publicada na revista Bravo e posteriormente reproduzida pela revista Carta Capital, onde o autor diz o seguinte:
“País de mestiços, onde branco não tem força para organizar uma Kux-Klan (sic), é país perdido para altos destinos […] Um dia se fará justiça ao Ku-Klux-Klan; tivéssemos aí uma defesa desta ordem, que mantém o negro em seu lugar, e estaríamos hoje livres da peste da imprensa carioca — mulatinho fazendo jogo do galego, e sempre demolidor porque a mestiçagem do negro destrói a capacidade construtiva”.
Eu ainda não tenho uma opinião final sobre tal assunto... Pois a leitura de Negrinha me deixou confuso e pensativo. Talvez o autor fosse de fato racista e ao longo do tempo foi mudando de opinião. Ou será que ele era racista e escreveu histórias com críticas à respeito do assunto apenas para conquistar uma nova gama de leitores? Eu passarei um bom tempo pensando sobre o assunto.
Agora sobre os outros contos do livro, devo dizer que alguns são excelentes como o próprio conto homônimo Negrinha. E devo destacar também os contos As fitas da vida (1920), Bugio Mosqueado (1920), O colocador de pronomes (1920) e Herdeiro de si mesmo (1939). Alguns contos possuem um clima de suspense/terror que provavelmente não causarão impacto nos leitores da nossa geração, mas ainda assim são divertidíssimos de serem lidos. Mas como todo livro de contos, este possui algumas histórias medianas, fracas e esquecíveis. Alguns possuem finais bem anti-climáticos que me deixaram cheio de perguntas e com a sensação de tempo perdido.
Todo o reflexo da época e questões políticas e sociais do Brasil são fortemente encontrados neste livro e sendo um livro bacana ou não, devo dizer que a leitura vale a pena. Ele passou longe de suprir as minhas expectativas; e em um determinado sentido, devo dizer que foi até decepcionante.
Se vocês não possuem interesse em ler essa obra (por inteira), devo reforçar que deveriam pelo menos ler o conto clássico Negrinha e se puderem leiam também os contos que eu destaquei... esses eu afirmo que valem bastante a pena!
Sendo racista ou não... Monteiro Lobato merece ser respeitado. Pois ele foi (e ainda é) um grande escritor que fez parte da infância de muitas pessoas. Além de ter formado uma grande gama de leitores, sendo eu um deles.
Não concordo com muitas opiniões expressas pelo escritor, mas devo dizer que cresci como leitor e aprendi a apreciar e criticar suas obras mesmo diante de tantas polêmicas. Ler um livro e "resenhá-lo" deve ser encarado como um desafio que vai muito além de simplesmente expressarmos nossas opiniões sobre alguma obra. Ler deve ser um processo divertido de aprendizado e reflexão. Exatamente por este motivo que afirmo que Monteiro Lobato foi um mestre; pois lê-lo sem aprender e sem refletir é algo praticamente impossível!