Queria Estar Lendo 26/08/2019
Resenha: As Anônimas
Disponibilizado no Brasil pela editora Única - que nos cedeu um exemplar para a resenha -, As Anônimas é o primeiro livro de Amy Reed, e discute a cultura do estupro pelo ponto de vista de 3 colegiais que se unem em busca de justiça.
Quando Grace foi expulsa de sua cidade natal, depois de sua mãe, uma pastora batista, ter uma revelação e ir contra tudo que pregava sua antiga igreja, ela estava com raiva. Não queria se mudar do único lugar que conhecia como lar, deixar os amigos para trás e mudar toda a sua vida. Mas quando ela entra em seu quarto na nova casa e vê os pedidos de socorro entalhados na janela e no armário, deixados por sua antiga moradora, ela acaba se colocando em uma jornada em busca de justiça.
Grace não conheceu Lucy, a garota que morou em sua casa, mas Rosina e Erin sim. Rosina é descendente de mexicanos, uma garota punk e lésbica. Já Erin é uma garota com Asperger que gostaria muito de ser um androide como Data, personagem de Jornada nas Estrelas, sua série preferida. Mesmo excluídas da vida social na escola, elas também assistiram enquanto os colegas - e a cidade inteira - desacreditavam Lucy.
"Rotulamos as coisas porque, assim, elas se tornam mais fáceis de entender."
Assim como Grace, Lucy também foi expulsa de sua cidade. Isso depois de denunciar 3 jogadores de futebol do colégio por terem-na estuprado em uma festa. Taxada de vadia e mentirosa, com a cidade inteira acreditando que ela só queria atenção, Lucy e sua família vão embora sem deixar rastros.
Mas agora que Grace encontrou seus pedidos de socorro e descobriu sua história, ela sente que precisa fazer algo a respeito. E acaba convencendo Rosina e Erin do mesmo. Assim, as três fundam o grupo As Anônimas, em busca de unir as garotas do colégio, discutir o que aconteceu com Lucy, provar que acreditam nela e evitar que isso volte a acontecer.
As Anônimas segue a mesma linha de livros como Moxie, da Jennifer Mathieu, e Lonely Hearts Club, da Elizabeth Eulberg - embora um pouco mais pesado. Digo isso porque Lonely Hearts Club discute a sororidade e apenas pincela a cultura do estupro, ao passo que Moxie se aprofunda um pouco mais no sexismo e na ideia de dois pesos e duas medidas, porém As Anônimas vai além.
O livro não só discute sororidade, como explana a cultura do estupro e também aborda a sexualidade feminina. Discute paradoxos e também a ideia de que algo que pode ser bom para você, não é para mim, e tudo bem. A ideia de que liberdade é ter escolhas e ser capaz de fazê-las sem pressão social, sem ser taxada de vadia, puritana, mentirosa, etc. De conhecer a si mesma e se descobrir como um ser humano, de perceber que não importa o que você faça, ainda está sujeita as mesmas regras e punições no patriarcado.
Foi um livro que me deixou emocionada e frustrada na mesma medida.
Emocionada porque, sempre que as garotas se uniam, sempre que elas demonstravam entender o que era e como se pratica sororidade, eu me enchia de esperança. Porque o ponto maior de As Anônimas é a máxima de que juntas somos mais fortes.
"[...] vai ser muito difícil mesmo, mas nada nunca vai ter ser tão terrível quanto o que você passou naquela noite. Você sobreviveu. Pode sobreviver a qualquer coisa agora."
Porém, fiquei frustrada com as situações que elas precisavam lidar. Com as figuras de autoridade do colégio tentando por um fim no grupo por acreditar que estavam promovendo "bullying" contra os garotos (por uma greve de sexo, imagina isso?), as mesmas autoridades que desacreditaram Lucy. E isso frustra porque é tão real.
Estatisticamente falando, cerca de 1% dos condenados por estupro chegam a cumprir pena (e vale lembrar que as estatísticas mais otimistas alegam que cerca de 30% dos estupros são denunciados), e mesmo um livro como As Anônimas não pode fugir da realidade. Por melhor que seja o fim que Amy Reed tenha tentado nos proporcionar, a realidade que ele mostra também nos marca bastante.
Também quero ressaltar um ponto que achei bem importante, especialmente em um livro com protagonistas tão diversas que se propôs a discutir o feminismo. A forma como Amy Reed dividiu o livro não se comprometeu apenas com o ponto de vista de Grace, Erin e Rosita. Nós também víamos o ponto de vista "Nós", que passava por diversas garotas da escola, dessa forma, nos dando vários pensamentos sobre o que estava acontecendo e os diversos tipos de mulheres que encontramos.
Nas próprias discussões ficava claro como cada garota lidava com o tema explorado a partir do seu próprio ponto de vista e da sua vivência, mostrando suas reflexões e como coisas que parecem natural para umas, ainda eram tabu na cabeça de outras, além de discutir como as interseções com o "ser mulher" (ser mulher de cor, ser mulher LGBTQ, ser mulher pobre, etc) tem influência direta com o tipo de machismo que elas sofriam e com a forma que enxergavam o próprio movimento.
As coisas não são perfeitas, e As Anônimas também tenta mostrar isso (mesmo que não se aprofunde tanto assim no tema), fazendo com que as próprias personagens reflitam sobre isso e busquem formas de enfrentar não só a violência comum a todas, mas as particulares de cada uma também.
"Porque elas são imbatíveis. Ninguém pode pará-las. Juntas, elas são uma só."
No fim, pra mim, esse foi um excelente livro. Amei a discussão que ele levantou, amei a posição das personagens e o crescimento de cada uma delas; as lições que elas tiraram de todo esse projeto e o tipo de pessoas que elas certamente se tornariam - e que nos instigam a ser. Eu definitivamente recomento ele, e não é pouco. Tenha você lido algum livro do tipo ou não, As Anônimas não vai decepcionar.
ps: se você ou alguém que você conhece é vítima de violência física ou sexual, ligue 180 e denuncie, o serviço é anônimo. E lembre-se, a culpa nunca é da vítima, a situação que ela vive não é uma escolha ou algo que ela merece, não hesite em denunciar.
site: http://www.queriaestarlendo.com.br/2019/08/resenha-as-anonimas.html