bardo 15/01/2024
A despeito de ser provavelmente uma de suas coletâneas de contos mais conhecidas essa não me parece ser a melhor obra para começar a ler Clarice. Em comparação o Felicidade Clandestina apresenta uma Clarice muito mais acessível e que não vai assustar o leitor num primeiro contato.
Aqui à semelhança do que ocorre com quem lê o primeiro romance temos uma Clarice mais crua, mais hermética, que recorre mais a subterfúgios. Em mais de um conto o leitor vai terminar a leitura se perguntando afinal o que leu.
Cabe ressaltar também um certo anacronismo, que se sente principalmente no conto A Menor Mulher do Mundo, que pode soar bem indigesto, é preciso ter em mente a época em que o conto foi escrito, para não mal interpretar o que Clarice quer dizer. Ainda dentro desse espírito o papel da mulher nesses primeiros contos talvez pareça para alguns um tanto limitado. Novamente é preciso se ater ao tempo histórico.
Por mais que a obra de Clarice seja transgressora em muitos aspectos, a forma como ela entendia os papeis feminino e masculino pode soar um tanto antiquada para o leitor de hoje. Ao mesmo tempo esses papéis não se prendem exatamente aos gêneros e sim a ideia de polaridades. Aqui nem tanto, mas em outras obras percebemos a autora “invertendo” essa dinâmica de poder.
Temos aqui uma das mais importantes obras de Clarice, mas que será melhor compreendida pelo leitor já habituado a escrita Clareciana, que já tenha alguma noção de suas simbologias e de sua mística particular. Apesar disso dos contos aqui contidos destacam-se: Uma Galinha, Imitação da Rosa, Feliz Aniversário, A Menor Mulher do Mundo, Preciosidade, Os Laços de Família e O Crime do Professor de Matemática.
Impressões dos contos:
Devaneio e Embriaguez Duma Rapariga
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Um primeiro conto estranho, demora um pouco para se entender o que está acontecendo, se é que se pode dizer que algo externo de fato acontece. Ainda assim Clarice consegue com poucas linhas nos envolver e nos fazer se interessar pela sua protagonista
Amor
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Impressiona a capacidade de Clarice de falar tanto com tão pouco, a despeito da estranheza do detonador da epifania, o que ela descreve é identificável a quase todo mundo.
Uma Galinha
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Provavelmente um dos contos mais conhecidos e inesperados de Clarice. Com mais camadas do que deixa parecer, a julgar pelo final abrupto e inesperado."
A Imitação da Rosa
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Talvez um dos contos mais perturbadores do livro, cheio de entrelinhas ao falar ao mesmo tempo de uma doença mental e da perfeição impossível.
Feliz Aniversário
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Impressiona a forma cruel e absolutamente precisa com que Clarice escancara o rancor e o ressentimento das relações familiares, bem como o medo e o horror da velhice.
A Menor Mulher do Mundo
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Num conto que provavelmente é lido com certo desconforto hoje em dia, Clarice da conta de descrever o profundo incômodo da diferença por meio do absurdo.
O Jantar
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Um pequeno conto onde a autora se propõe a nos mostrar o exercício que fazemos ao tentar decifrar os enigmas alheios por suas expressões e os julgamentos que fazemos equivocados ou não.
Preciosidade
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Um conto estranho e perturbador, sobre a perda da inocência. A ambiguidade porém lhe dá traços mais sombrios do que os talvez pretendidos pela autora.
Os Laços de Família
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Mais um conto onde interessam mais as entrelinhas do que o que é dito, a maneira como a autora capta as minúcias da relação familiar. Os complexos amor e ódio entrelaçados.
Começos de Uma Fortuna
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Um conto que meio que retoma o tema do Preciosidade mas agora sob a ótica de um rapaz e o dilema de deixar a infância.
Mistério Em São Cristóvão
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Algo que chama a atenção nos contos de Clarice é o não diretamente dito, o que talvez deixe algum leitor frustrado, principalmente numa leitura rápida e desatenta.
O Crime do Professor de Matemática
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Mais um conto estranho, cheio de entrelinhas e coisas não ditas, ao mesmo tempo aqui e ali verdade sendo lançadas pra o leitor pensar.
O Búfalo
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E encerrando a coletânea temos um conto simbólico, um tanto exasperante na sua beleza aparentemente ausente de significado.