David.Saraiva 23/10/2017
Extraordinário, o 1' livro que conta com detalhes a vida de um Junky:
O Beat mais velho e amante de armas William S. Burrougs....
Eu estava numa cantina vagabunda da rua Dolores, na Cidade do México. Eu
vinha bebendo por duas semanas seguidas. Estava sentado num reservado com
mais três mexicanos, bebendo tequila. Os mexicanos estavam muito bemvestidos. Um deles falava inglês. Outro, troncudo e de meia-idade, cara triste e
doce, tocava violão e cantava umas músicas. Ele estava sentado no fundo do
reservado. Eu achava ótimo que a cantoria impossibilitasse a conversa.
Cinco tiras entraram. Achei que poderia levar uma geral, por isso tirei a
cartucheira e o revólver da cintura e joguei debaixo da mesa, junto com uma
pedrinha de ópio escondida num maço de cigarro. Os tiras tomaram uma
cerveja rápida e foram embora.
Quando fui olhar debaixo da mesa, o revólver tinha sumido, mas a cartucheira
estava lá.
Fui pra outro bar e sentei numa mesa com o mexicano que falava inglês. Ocantor e os outros dois mexicanos tinham ido embora. O ambiente estava imerso
em uma luz amarela, baça. Atrás do balcão de mogno, coroando a prateleira de
bebida, havia uma cabeça de touro do tempo do onça. Fotografias de toureiros,
algumas autografadas, decoravam as paredes. A palavra “saloon” aparecia
talhada no vidro fosco da porta de mola. Fiquei lendo e relendo aquela palavra.
Tive a sensação de estar no meio de uma conversa.
Pela cara do sujeito à minha frente, deduzi que eu tinha parado no meio de
uma frase, mas não me lembrava o que eu tinha dito nem o que estava por dizer,
nem do assunto da conversa. Achei que a gente pudesse estar falando sobre o
revólver. “Eu devo estar tentando comprá-lo de volta”, pensei. Notei que o
sujeito segurava a minha pedra de ópio na mão.
— Quer dizer que você acha que eu tenho cara de junky, é? — ele disse.
Olhei pra ele. O sujeito tinha uma cara esquálida, com zigomas salientes, e
olhos castanho-cinzentos, comuns nos mestiços de índio com europeu. Vestia um
terno cinza-claro e gravata. Boca enxuta, retorcida nos cantos. Uma boca junky,
sem dúvida. Tem gente que parece junky sem ser, do mesmo jeito que há falsas
bichas. São tipos que causam problemas.
— Vou chamar um policial — disse ele, dirigindo-se a um telefone preso a
uma coluna.
Arranquei o fone da mão do cara e dei-lhe um tranco tão forte que ele se
estatelou contra o balcão. Sorriu pra mim. Pátina marrom recobria seus dentes.
Virou as costas, chamou o barman e mostrou-lhe a pedrinha de ópio. Dei o fora e
peguei um táxi.
Lembro que fui pra casa pegar outro revólver — um berro de grosso calibre.
Eu estava com uma raiva danada, embora não lembrasse exatamente por quê.
Saí de outro táxi, cruzei a rua e entrei no bar. O homem estava inclinado sobre
o balcão, com seu paletó apertando suas costas e ombros. Virou sua cara anódina
pra mim.
Eu disse: — Vai andando na minha frente.
— Por quê, Bill? — ele perguntou.
— Vamos logo!
Puxei, já engatilhando, o revolvão da cintura e encostei a boca do cano no
estômago do homem. Com a mão esquerda agarrei-o pela lapela e joguei-o de
novo contra o balcão. Só depois me ocorreu que o sujeito me chamara pelo
nome e que o barman provavelmente também sabia quem eu era.
O sujeito estava relaxado, controlando o medo na cara imperturbável. Percebi
alguém se aproximando por trás de mim, pela direita. Virei um pouco o rosto. O
barman vinha chegando com um policial. Me virei pra eles irritado com a
interrupção. Enfiei o revólver na barriga do guarda.
— Quem te mandou vir aqui meter o bedelho? — perguntei em inglês. Eu não
estava falando com um policial palpável, em três dimensões; eu me dirigia aopolicial que frequentava meus sonhos: um sujeito moreno, irritante, indefinido,
que sempre aparecia quando eu estava prestes a tomar um pico ou ir pra cama
com um rapaz.
O barman agarrou meu braço e afastou a arma da barriga do policial. O
policial, impassível, puxou seu velho 45 e o encostou com firmeza no meu corpo.
Senti o frio do metal através da camisa de algodão fino. A barriga do policial,
antes encolhida, saltou pra fora. Relaxei a mão e alguém me tirou o revólver.
Levantei as mãos pro alto, a meio-pau, em atitude de rendição.
— Tudo bem, tudo bem — eu disse em inglês —, bueno.
O guarda abaixou o 45. O barman, encostado no balcão, examinava minha
arma. O homem do terno cinza ficou ali parado com sua cara de nada.
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