Mara Vanessa Torres 03/09/2009
Amor e teorias.
Ativista, filósofo, jornalista e teórico da esquerda. André Gorz - cujo nome verdadeiro era Gerhard Horst - é considerado um dos maiores intelectuais do século XX. Gorz foi um dos fundadores da revista "Le Nouvel Observateur" (O Novo Observador), tendo atuado também em outras publicações, como "Les Temps Monderns" (Os Tempos Modernos).
O intelectual judeu-austríaco se destacou como um ativista ecológico e crítico ferrenho do capitalismo, assinando obras como "Misérias do presente, riqueza do possível", "Crítica da divisão do Trabalho" e "O Imaterial: Conhecimento, Valor e Capital". Mas, seu último trabalho não alude à divisão de trabalho, alienação, preservação do meio ambiente ou qualquer coisa do gênero. André Gorz finalizou a carreira literária escrevendo uma carta de amor à Dorine, sua esposa e companheira de toda vida.
Em Carta a D. (Annablume/Cosac Naify, 80 pág; tradução de Celso Azzan Jr.), o filósofo e jornalista se transforma em poeta, pincelando o arcabouço teórico que o projeto à sombra do amor e devoção que dedica à mulher: "(...) Você era o rochedo sobre o qual nós dois, nossa união podia ser construída." Em toda a obra, Gorz exalta as inúmeras potencialidades da mulher diante da fraqueza e limitação dele, um homem preso às teorias e conceitos.
Dorine foi acometida de aracnoidite, uma espécie de "meningite química, uma reação inflamatória da membrana, que pode gerar uma espécie de fibrose na região inflamada e causar dores". Como a intervenção cirúrgica é extremamente delicada (e o índice de sucesso não é tão animador), são recomendadas terapias alternativas. E foi exatamente esta a opção de Dorine, que aboliu o uso dos remédios e aderiu a aulas de ioga, autodisciplina, alimentação adequada (Gorz afirma no livro que pediu a aposentadoria só para tratar da rotina alimentar da esposa).
No geral, Carta a D. tem uma leitura agradável, fluente, acessível. Odes e floreios românticos são apresentados na medida certa e recontam a história de um casal que viveu e amou em consonância com um princípio maior: o da entrega mútua. Apesar disso, a obra peca pela 'intelectualização' do sentimento. André Gorz parece pensar exatamente nas palavras, na ordem da narrativa, no filtro que o texto deve seguir, coisas assim. Dá a impressão que ele elaborou parnasianamente um 'eu te amo', ao invés de despejar seu sentimento em um último gole, uma tragada arrebatadora de amor.
Se ele e sua esposa já estavam cogitando o suicídio - fato que aconteceria em 2007, um ano após o término da obra -, os sentimentos de Gorz deveriam estar ali, completamente despejados, da forma mais nua e aberta possível. A leitura deste livro me deixou um questionamento: Podemos expressar o amor por meio de palavras? Ou estaríamos limitando um sentimento sem campo de abrangência, justamente pelo seu caráter infinito?