Flávia Menezes 01/06/2021
A que não podia falar, era a única que eu queria ouvir.
Há uns bons anos em que eu não me permitia aventurar em uma história da literatura brasileira, até esse momento. Sendo assim, vale a pena ressaltar que depois desse longo tempo, sinto uma desconexão minha com esse tipo de literatura. Penso que a literatura nos atinge de maneiras diferentes, e nossos gostos se encontram naquelas que mais facilmente acessam a nossa alma, e a elas melhor representa.
Dito isso, quero enfatizar que essa minha análise se deve a como a narrativa me atingiu, e como me senti durante a leitura. Tendo ressaltado esse ponto .... vamos lá!
?Torto Arado? é uma história contada através do discurso indireto, ou seja, aquele que é narrado, sem a presença de diálogos que se iniciam com travessões, com uma narrativa que possui uma focalização externa, sendo alternada entre três narradores diferentes, cada um compondo um capítulo em que se limita a descrever as ações dos personagens.
A primeira narradora é Bibiana, uma das protagonistas da história, e sua parte da narração é aquela que sofre mais avanço cronológico da história. São muitos anos que se passam rapidamente, e confesso que isso me fez ser muito pouco impactada por essa parte da história. Tudo acontecia tão rapidamente, com uma economia de detalhes, que nem dava tempo de me conectar com os personagens e saber como eles se sentiam. Eram apenas descrições, e confesso, me senti bastante entediada, apesar da profundidade dos fatos que eram contados, e todos os sofrimentos que eram vivenciados pelos personagens. A sensação era de uma economia de detalhes, que deixavam vários pontos de interrogação pelo caminho.
Na segunda parte, a narrativa muda para Belonísia, e nesse ponto, por alguns capítulos, a história caminha um pouco mais devagar, e podemos aproveitar mais do que a narradora nos mostra, e aí sim, me senti mais conectada. Pude sentir a força da protagonista, sua coragem, mesmo vivendo uma vida tão humilde e tão cheia de sofrimentos. Fiquei tão cativada pela forma como ela me contava sua história, como me falava dos seus sentimentos, suas dificuldades, e me emocionei quando falou da sua amizade com Maria Cabocla, e na sua reaproximação com a irmã Bibiana. Porém, um evento trágico acontece, e a história passa a ser contada através de flashback, e aí, é só uma narrativa daquela que ?ouviu sobre?, mas que não vivenciou essa parte da história. E mais uma vez eu me perdi em uma sequência de descrições, que voltou a me desconectar dos personagens. Além de me deixar um tanto entediada.
A terceira parte, e para mim a mais cansativa na questão das descrições, uma nova narradora entra em cena, e mais uma vez é pura descrição, de alguém que não viveu o que contava, mas apenas viu. Para mim foi o suficiente para impedir que a ligação emocional voltasse a acontecer, e eu fiquei muito feliz por ser uma parte curta, e a história acabar.
?Torto Arado? tem uma história bem descrita de um regionalismo e de personagens que carregam a tristeza de quem não tinha uma vida abastada naquela região, em uma época remota. Não vejo como nada diferente do que podemos encontrar em qualquer cidade do país, em uma casa simples, habitada por moradores que não possuem muitas condições financeiras. A luta é a mesma, as questões políticas são as mesmas, a desigualdade é a mesma. Só muda a região do país.
Para quem gosta de literatura brasileira: leia, pois sem dúvida você vai se encantar com a história. Para quem nunca se aventurou, ou não tem tanta afinidade como eu: dê uma oportunidade, se estiver disposto(a). Sem dúvida, é um livro bem escrito, com uma história que, para mim, não é só regional ou temporal. Ela ainda acontece nos subúrbios e em lugares onde a desigualdade do nosso país quer gritar, porém continua emudecida como Belonísia. E que de fato, possamos todos ter a coragem e determinação dessa protagonista tão guerreira, que sem dúvida é a grande estrela dessa história.
Obs.: o que me intrigou bastante nessa história foi a insistência do autor pelas relações simbióticas. Embora os personagens fossem forçados a viver a sua singularidade, me pareceu haver uma grande importância nessas conexões. Mas... é apenas uma observação.