Flávia Menezes 31/10/2022
O QUE ESCOLHEREMOS SER POR HOJE: O JUSTO OU O JUIZ?
?À Espera de um Milagre?, do mestre Stephen King, foi originalmente publicado em seis partes, uma em cada mês, em 1996. O autor explica que quando criança, costumava consumir este tipo de literatura, e ao receber a proposta, sentiu-se bastante motivado a testar esse novo formato, além de ser uma escolha interessante para que os leitores não pudessem bisbilhotar o final da obra, aumentando assim, o seu suspense.
Em 1999, foi adaptado para filme, tendo o ator Tom Hanks no papel de Paul Edgecomb, e Michael Clarke Duncan como John Coffey, qur com suas interpretações marcantes, renderam muitos elogios, e ainda quatro indicações ao Oscar, nas categorias de ?Melhor filme?, ?Melhor ator coadjuvante? para Michael Clarke Duncan, ?Melhor som? e ?Melhor roteiro adaptado?.
Tendo como cenário a Grande Depressão, esse é um dos romances do King que é mais bem aceito pelo público, incluindo até mesmo os leitores que não são fãs do autor, por ser essa trama que traz à tona temas tão desconfortáveis, como o racismo, o nepotismo, o dilema moral dos agentes penitenciários, a pena de morte, e o mal que habitam em todos nós.
Narrada em primeira pessoa, a história intercala passado e presente, nos fazendo mergulhar nas memórias e experiências de Paul Edgecombe, transitando tanto pela sua vida como chefe dos guardas do corredor da morte da penitenciária de Could Mountain, quanto com ele já idoso e vivendo em um asilo.
A escrita do King neste romance é emotiva, fascinante, e por mais desconforto (proposital!) que ela possa nos provocar, seus personagens são tão cativantes, que queremos permanecer ao lado deles, compartilhando tanto dos seus momentos mais difíceis, quanto dos momentos divertidos de descontração, especialmente aqueles que envolvem o pequeno Sr. Guizos, o ratinho adestrado que por muitas vezes ganha os holofotes nesta história.
Em vários momentos, a narrativa me lembrou a experiência que tive ao ler ?Quando Nietzche Chorou?, do autor Irving Yalom. Não pela história em si, pois são tramas completamente diferentes, mas porque ambas estão carregadas de uma linguagem fortemente masculina, trabalhada na testosterona. O que não se trata de uma crítica. Ao contrário! Eu tenho fascínio por poder mergulhar em um universo tão diferente do meu.
Aliás, foi exatamente o que me levou a ler esse livro. Esse era um dos romances do King que eu nunca considerei ler, mas quando o meu parceiro nessa aventura me fez o convite para lermos juntos uma obra da qual ele já apreciava tanto a sua adaptação para filme, eu fiquei intrigada em saber o que tanto lhe encantava nessa história. Eu adoro conhecer as pessoas através dos livros que elas tanto gostam, então, mesmo não sendo um tema do meu agrado, eu mergulhei de cabeça na leitura, e tenho que confessar, foi uma experiência incrível. Mas não é o que acontece quando estamos em tão boa companhia?
É claro que a cada momento em que um condenado enfrentava a cadeira elétrica, meu nível de desconforto aumentava, porque realmente não eram cenas fáceis de serem lidas. Sou totalmente contra a pena de morte, e só de imaginar cada detalhe que o King descreveu, eu ficava toda arrepiada.
De fato, esse livro nos faz refletir sobre temas bastante delicados, polêmicos, e nos convoca a pensar: será que somos mesmos juízes justos? Ou nossas mentes são poluídas por nossos pré-conceitos?
É muito bonito esse discurso de que não temos preconceitos, que somos pessoas de bem, e que temos aversão às discriminações. Porém, é preciso compreender que faz parte do ser humano ter um pré-conceito sobre algo. É parte de quem somos julgar, criticar, tanto quanto sermos falhos o suficiente para não nos enquadrarmos em nenhum modelo de perfeição. Aliás, quem foi que disse que ser perfeito é algo que devemos buscar? A nossa busca deve ser por sermos melhores, não perfeitos!
E nesse quesito, essa história tem muito a nos ensinar. Especialmente quando, por obra do preconceito e discriminação, temos no corredor da morte um homem inocente. Aliás, não apenas inocente, mas que é bom de verdade. E essa sua bondade, é seu maior poder.
Lendo essa história, King nos convida a pensar em como somos rápidos em condenar (ou repudiar) quem é bom, julgando-o por sua aparência, ou pela falta de status social. O que realmente importa em uma pessoa? O bem que ela é capaz de faze, ou o que ela faz por ser alguém influente, ou que tem bons atributos estéticos? O que vale mais?
A cena que mais me tocou, e me levou às lágrimas nesse livro, foi sobre a questão de que, quando amamos muito alguém, nos calamos, e sofremos todas as maiores dores, apenas pelo bem-estar do outro. Não quero dar spoilers, mas essa cena me deixou bastante emocionada por um motivo bem pessoal. E de fato, é verdade. O mais perfeito ato de amor, é o sacrifício. Até mesmo porque a nossa felicidade também depende de que essa pessoa esteja feliz.
E sobre o bem, ele pode ser tanto uma dádiva, quanto uma maldição. Uma dádiva, porque de fato o bem que fazemos pode realmente curar alguém. E uma maldição, porque muitas vezes gostaríamos tanto de poder curar as pessoas dos seus maiores males, mas não nos compete escolher pelo outro. E ver toda essa escuridão do outro, e não poder fazer nada, quando podíamos fazer tudo... é uma verdadeira maldição.
Acho que é até difícil falar sobre toda a magnitude dessa história, porque é preciso ler e sentir para realmente conseguir compreender. É preciso, assim como eu, abrir-se ao desconfortável, e encarar todas as dores e sofrimentos causados pelos nossos maus julgamentos, e estarmos prontos para chorar as nossas culpas, e aceitar a nossa incapacidade.
Acredito que depois dessa leitura, dessa experiência que o King nos propõe, cada um de nós terá a oportunidade de sair um pouco diferente. Mais sensível às dores do outro, e mais propenso a enxergar melhor o mundo e as pessoas ao nosso redor. Porque de fato, estamos todos à espera de um milagre. Não estamos? Bom... eu não sei você, mas eu estou. Eu sempre estou!