Erich 20/07/2024
Li a edição do Clube de Literatura Clássica, uma edição bilíngue traduzida por Geraldo Carneiro. Acompanhando o livro veio um livreto com a versão de Luigi da Porto da história e com um apanhado histórico da evolução das versões.
Romeu e Julieta por si só não me faria dar 5 estrelas, mas o contexto engradece o livro. Afinal, é necessário pensá-lo como uma peça. E junto com isso algumas críticas desvanecem. Os meus principais incômodos na trama seriam:
- Julieta tem somente 14 anos! Mas vemos que essa redução de idade foi adicionada por Shakespeare, não é algo inerente à história (afinal, parece fazer sentido pensar Romeu e Julieta como uma obra de muitas mãos, e não somente uma obra de Shakespeare)
- A velocidade com que tudo acontece. A "grande história de amor" parece mais uma "curta história de pegação". Mas isso é explicado pelo fato de estarem em um teatro. Shakespeare preferiu a velocidade do teatro do que adicionar lapsos temporais na história. Em outras versões da história vemos um tempo maior entre os eventos. A velocidade é compensada fazendo piada da própria história. Aqui, a voz da sensatez é o Frei, fazendo as críticas devidas à absurda mudança de opinião de Romeu.
Qual a essência de Romeu e Julieta? A paixão arrebatadora que vem e tem força para destruir tudo em seu caminho. E isso é um conceito atemporal. A morte, neste caso, é essencial. Pois representa o levar às últimas consequências a paixão inicial. Junto com Romeu e Julieta temos o reforço da paixão à primeira vista, o conceito "romântico" dos atos e loucuras de paixão, e diversos outros conceitos que se baseiam no sentimento arrebatador que arranca a pessoa de seu chão e aflora suas emoções.
Meu coração será que amou um dia?
Meus olhos são perjuros com certeza,
Pois só esta noite eu vi o que é beleza.
Notemos, porém, que essa é uma história de paixão e não de amor. Poderia ser também uma história de amor? Poderia, mas esse não é seu ponto central. E isso é na obra representado pelas falas do Frei. Surgem como pequenos momentos de lucidez, onde somos lembrados de que está tudo muito rápido. Claro, o Frei em si não é completamente lúcido, visto que vê na paixão insã de jovens a oportunidade de sanar um conflito entre duas famílias.
Meu São Francisco! Esta mudança é um espanto!
E Rosalina, a quem amavas tanto,
Já foi esquecida? O amor dos moços mora
Nos olhos, não no coração. E agora?
Rosalina, por quem choravas tanto,
Por quem lavaste a face com teu pranto!
Por ela quanto sal desperdiçaste,
Temperando esse amor que nem provaste!
O céu ainda recorda os teus gemidos
Que despejaste em meus velhos ouvidos.
Ainda vejo estampada no teu rosto
A mácula de um choro de desgosto.
Se tu e a tua dor fossem reais,
A Rosalina os dois seriam leais.
Se é assim proclama que não só a mulher
É inconstante: o homem também é.
O prazer que é violento, quando passa,
Costuma ter um fim também violento.
Seu triunfo morre como fogo e pólvora,
Que, ao se beijarem, matam um ao outro.
O mel mais doce é tão doce que enjoa,
E o seu sabor estraga o paladar.
O amor que dura é o amor moderado.
O que corre, em geral, chega atrasado.
Outro ponto que gostaria de destacar na obra, e que também é atemporal, é o conceito de que uma pessoa não é definida pelo seu nome, pela sua classe, pela sua família. Assim, Romeu e Julieta não é somente uma história sobre um casal formado por famílias rivais. Mas sim uma história sobre qualquer relação proibida em qualquer contexto social e histórico.
Ó Romeu, ó Romeu. Por que és Romeu?
nega teu pai, recusa esse teu nome;
Senão, é só jurar-me o teu amor,
E eu já não serei uma Capuleto.
[...]
É só teu nome que é meu inimigo.
Tu és tu mesmo, não és um Montéquio.
O que é um Montéquio? Não é mão, nem pé,
Nem braço ou rosto, ou qualquer outra parte
Que a alguém pertença. Encarna um outro nome.
O que há num nome? O que chamamos rosa
Com outro nome perde o seu perfume?
Assim Romeu, se não fosse Romeu,
Conservaria a perfeição que é sua.
Outra coisa que auxilia na apreciação da obra é assistir uma peça. Encontrei uma indicação maravilhosa on-line de uma interpretação em português realizada no Globe Theatre (https://www.youtube.com/watch?v=pNvTDEplX0o), que é um teatro que se dedica a obras de Shakespeare.