Tábata 24/10/2024
Esperava romance leve, recebi propaganda
Começando pelo começo: estava numa semana meio meh e com a cabeça cheia, então peguei esse livro exatamente por querer algo leve e divertido, sem muita profundidade. Quanto a isso, nenhuma crítica. Nem toda leitura precisa ser culta e memorável.
O problema é justamente que o livro tenta ser crítico: mistura elementos políticos no enredo, critica abertamente o partido Republicano dos EUA e o imperialismo britânico. Mesmo que de forma leve, superficial, está ali e de modo explícito. O que torna explícita, também, a propaganda estadunidense que permeia toda a narrativa.
Enquanto a Inglaterra é criticada por roubos e colonizações, sobre os EUA o máximo que temos são menções a fatos internos e grupos de extrema direita. Nenhuma citação ao financiamento aos golpes e às ditaduras latinas, que se encerraram apenas nos anos 80 e repercutem até hoje nas economias e políticas dos países afetados. Nenhuma menção à invasão do Iraque e aos conflitos no Oriente Médio, que continuaram sob a administração de um presidente democrata - o mesmo responsável pela espionagem da ex-presidenta do Brasil e alguns de seus ministros.
Já o veículo responsável por revelar documentos de *interesse público* desse último caso e de outros, o WikiLeaks, é citado como uma espécie de vilão e colocado no mesmo nível do Daily Mail, tabloide britânico famoso pela falta de ética e credibilidade. Não é a toa que é pelo WikiLeaks que os e-mails *pessoais* de Alex e Henry, que não trazem nenhuma informação de interesse além do próprio fato de terem um relacionamento, são tornados públicos. Cabe lembrar que, pelas denúncias publicadas contra o governo dos EUA, o jornalista e fundador do portal, Julian Assange, foi preso e perseguido pelas autoridades do país. A biografia de Casey McQuiston, na última página, diz que elu é jornalista. Sendo assim, não é possível que todas essas omissões e ataques sejam inocentes. É propaganda em forma de romance.
Me assusta não ter visto, nem no meu círculo com uma quantidade considerável de profissionais e estudantes de comunicação que leram esse livro, nenhuma consideração sobre isso. É preciso ter um mínimo de cuidado com o que se consome.
Dito isso, o livro também poderia ter metade do tamanho. Se arrasta em muitos momentos. Ao mesmo tempo, dá muito pouco espaço a Nora, June, Pez, Luna e Amy, personagens mais interessantes que os protagonistas e que poderiam ser melhor aproveitados. Mas, mesmo com todos os problemas, é divertido.