Luiza 07/09/2024
Eu sempre me emociono!
Não vou fazer aqui uma resenha de Capitães da Areia, creio que esta obra é uma das mais resenhadas, estudadas, dissecadas, analisadas da nossa literatura. Vou apenas relatar um pouquinho da minha experiências com esse livro, abordando ligeiramente o que sinto a respeito do trabalho de Jorge Amado.
Eu já estava procurando uma brechinha para reler ?Capitães??. Havia lido pela primeira vez nos anos 80, quando ainda era menina, devia estar com os meus 13 anos. Lembro que, à época, eu gostei muito... Mas, depois de tantos anos, não lembrava de absolutamente nada. Recordava-me de um único detalhe: o desenrolar da história de Dora (que não escrevo mais pra não dar spoiler, só digo que creio ser o clímax do livro).
Na primeira leitura, me emocionei, dei uma choradinha? Fiquei impressionada ao constatar que era possível chorar com um livro. Talvez tenha sido nesse momento que me apaixonei pelo ato de ler. De qualquer forma, foi Amado quem me fez amar literatura ? especialmente a brasileira?
Bom? E o que aconteceu dessa vez, agora que li "Capitães da Areia" 40 anos depois? Gente? chorei muito!!! Vi a história com outros olhos, olhos maduros, olhos de quem já viu e viveu muita coisa, olhos de quem já estudou pra caramba e leu quase 500 livros? A experiência com "Capitães?" foi infinitamente mais linda.
Confesso que Jorge Amado é meu escritor favorito (amo Ruy Castro também, talvez ele corra com Jorge a uma distância de apenas uma cabeça nesse páreo). Mas, enfim, só quero dizer que, quem nunca leu Jorge Amado, LEIA?
LEIAM !!!
Mas procurem não fazer analogias com as novelas, filmes e séries baseados em suas obras, tentem esquecer isso (sei que não é fácil, ele é o escritor brasileiro mais adaptado para as telas). Mas tentem desfrutar Jorge Amado sem esperar muita similaridade com as produções cinematográficas e televisivas, pois esses meios fizeram várias modificações no enredo. Mudaram muita coisa mesmo. Não quero desmerecer as novelas, séries, etc, porque até as considero boas? Mas são experiências diferentes. E, pra mim, os livros são muitíssimo superiores! O estilo dele é bonito, poético, único, não dá pra passar tudo isso para a tela (algumas produções até chegam perto, mas, ainda assim, são experiências diferentes).
Fiquei animada para desfrutar novamente Capitães da Areia após ter concluído dois livros sobre o cangaceirismo. O primeiro foi ?Maria Bonita: Sexo, violência e mulheres no cangaço?, por Adriana Negreiros. O segundo foi ?Os cangaceiros: Ensaio de interpretação histórica?, por Luiz Bernardo Pericás. Ambos são excelentes e se complementam. Nesse ínterim, escutei alguns podcasts, entre eles o Episódio 27 do Podcast "Que Crime Foi Esse?", sobre Lampião. A narradora cometeu alguns equívocos ao comentar a história dos cangaceiros, mas ok. O interessante pra mim foi que ela falou muito em Capitães da Areia. Aí eu fiquei pensando com meus botões: "Oxente, porque ela cita tanto 'Capitães?', o que tem a ver?"
Aí peguei o livro ? de volta às minhas mãos quatro décadas depois (? como dizem os baianos, é retado, visse?). E? de fato, há uma personagem cujo desenvolvimento está ligado ao cangaço. O mais bacana é que o tal cangaceiro existiu na vida real? Viveu de 1918 a 1997 (morreu aos 78 anos). Não cheguei a descobrir se este cangaceiro foi realmente um dos Capitães da Areia, porque Amado mistura bastante vida real com ficção? E também não vou dizer quem é. Leiam o livro, é fácil descobrir.
Lampião está lá, aparecendo de quando em quando na páginas da narrativa ? de um jeito romanceado, claro. Virgulino foi filtrado pelos viés comunista de Amado, que construiu uma figura libertadora, diferente do que os dois livros aqui citados (os que li anteriormente sobre o cangaceirismo) me esclareceram? Mas é interessante desfrutar de um livro que foi concebido durante o declínio do cangaceirismo ("Capitães?" foi concluído em 1937 e Virgulino foi morto e decapitado em 1938). Lampião ainda estava vivo quando ele concluiu o romance. E, é claro que, em seu imaginário, o escritor baiano acompanhou o desenrolar das andanças do bando cangaceiro, cujo auge se deu na década de 20 e princípio dos anos 30. Impossível isso não se refletir um pouco em sua obra.
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Capitães da areia é um romance urbano sobre a criança e o adolescente pobres, está dividido em três partes:
1. ?Sob a lua, num velho trapiche abandonado?.
2. ?Noite da grande paz, da grande paz dos teus olhos? - aqui é hora de chorar.
3. ?Canção da Bahia, canção da liberdade? - desfecho lindo.
Ah, como eu amo!
O clássico lidera a lista dos livros mais vendidos do escritor, com 4,3 milhões de cópias! Depois dele, vem "A Morte e a Morte de Quincas Berro D'Água", de 1961, livro fabuloso, divertidíssimo, pequenino, dá pra ler em uma tarde, já li 3 vezes e me acabo de rir? ?
Li em um artigo que ?Capitães?? seria um romance diferente dos demais trabalhos de Jorge ? não apenas por causa da temática, mas também porque tal romance não teria propriamente um enredo.
O autor teria rompido com a tradição do romance convencional, que exigia organização dos fatos e ?relações de causa e efeito entre os eventos?. Capitães da Areia é diferente porque apresenta quadros mais ou menos independentes, que registram as andanças das personagens pela cidade de Salvador.
Mas não só: ao lado da narração propriamente dita, Jorge Amado intercala também notícias de jornal e pequenas reflexões poéticas (ambas são sensacionais). A força da narrativa está justamente no enredo solto, maleável, que parece flutuar ao sabor das aventuras dos pequeninos heróis? Uma coisa linda de se ler.
Bom, não pretendo fazer uma análise da obra do escritor baiano, isso não é necessário, e é o que mais existe por aí, teses e mais teses bem escritas. Mas acho interessante registrar: lembro-me de ter lido, certa vez, que a obra amadiana apresenta fases distintas.
O caráter político e revolucionário das obras iniciais não se encontra nos romances pós década de 50, o que tem feito críticos dividirem sua obra em diferentes temáticas.
O "Romance Proletário" que retrata a vida rural e citadina de Salvador, com forte apelo social. Incluem-se nesse tipo: Suor, O País do Carnaval e Capitães da Areia.
O "Ciclo do Cacau" tem como temas os latifúndios da região cacaueira e as lutas que, em tom épico, retratam a ganância dos coronéis, a exploração do trabalhador rural. Pertencem a esse ciclo: Cacau, Terras do Sem Fim e São Jorge dos Ilhéus.
A "Pregação Partidária" é constituída por um grupo de escritos de cunho político: O Cavaleiro da Esperança e O Mundo da Paz.
A última fase se compõe de "Depoimentos Líricos e Crônicas de Costumes" e se inicia com Jubiabá e Mar Morto, cujos temas giram em torno das rixas e amores marinheiro. Consolidam-se com Gabriela, Cravo e Canela que, mesmo tendo Ilhéus e problemas políticos, como pano de fundo, tende mais para crônica amaneirada de costumes. A ideologia que permeia as obras de 30 e 40 foi abandonada. A partir daí, tudo se dissolveu no pitoresco, no saboroso, no apimentado do regional...
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Capitães da Areia é o 6° livro de Amado e considero leitura essencial. Segundo a Wikipedia, a "Magnum opus" do autor é "Gabriela, Cravo e Canela" (li 3 vezes e sei que lerei mais?) e também "Dona Flor e Seus Dois Maridos" (li duas vezes, e lerei de novo, claro...). De fato, estas duas histórias são inesquecíveis, mas... Capitães da Areia também é! ?
É interessante recordar que, em novembro de 1937, Capitães da Areia ?alimentava uma fogueira insólita na Cidade Baixa de Salvador, a poucos passos do Elevador Lacerda e do atual Mercado Modelo. O fogo era um símbolo dramático do combate à ?propaganda do credo vermelho?, como definiram as autoridades do recém-instalado Estado Novo de Getúlio Vargas. Na ocasião, foram queimadas mais de 1,8 mil obras de literatura consideradas simpatizantes do comunismo. Mais de 90% dos exemplares incinerados, recolhidos nas livrarias de Salvador, eram de Amado.?.
Esse livro de fato fez história! Quem quiser ler mais sobre esse episódio e seu contexto histórico, acesse o artigo da BBC News Brasil: ?Capitães da Areia: o dia em que o Estado Novo queimou um dos maiores clássicos da literatura brasileira?, escrito em 2017 por Pablo Uchoa. Tem muita história interessante aí.
Enfim, só tenho isso a dizer: leiam, leiam, leiam?!
Dou nota mil, 500 estrelas e infinitos corações?
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