Estêvão 03/04/2021Primeiro romance da série de livros que ficou conhecida como ciclo da cana-de-açúcar, Menino de engenho, de José Lins do Rego, é uma daquelas obras nostálgicas, que nos remetem a uma infância de um tempo cada vez mais distante, marcado pela inocência, por brincadeiras e descobertas. Além disso, mistura elementos biográficos e históricos de forma muito coesa de uma realidade socioeconômica muito específica do Nordeste brasileiro.
Inserido na chamada de Geração de 30 do realismo brasileiro, Menino de engenho apresenta um olhar mais objetivo, próprio do realismo, dessa forma, por ser narrado em primeira pessoa por uma criança, o texto mantém-se fiel a essa perspectiva, nos oferecendo um quadro ingênuo e pueril dessa realidade nem tão agradável assim.
Já nas primeiras páginas, nos deparamos com uma série de fatos que impactam diretamente na vida do personagem principal, fazendo com que ele vá viver com seu avô, um senhor de engenho que mora no interior da Paraíba.
A relação da criança com os “moleques”, a descoberta sexual com mulheres negras empregadas da casa, a relação de trabalho análoga à escravidão, o papel da mulher nesse meio de produção, os mandos e desmandos de seu vô, a modernização do modo de produção, a natureza vista em seus constantes ciclos.... Tudo isso faz parte do novo universo que Carlinhos passa a habitar.
Na passagem do tempo, marcado pelas chuvas e pelos ciclos plantação e colheita, vemos como Carlinhos aos poucos vai se adequando àquela realidade, e ela incorpora-se ao seu modo interpretá-la: “A minha compreensão da vida fazia-me ver nisso uma obra de Deus. Eles nasceram assim porque Deus quisera, e porque Deus quisera nós éramos brancos e mandávamos neles”.
E é o modo como esse contexto molda e forma Carlinhos que acompanhamos até sua ida para o colégio, algo que certamente irá impactar na sua forma de ler essa realidade e que veremos no livro seguinte: Doidinho.
No entanto, antes disso, é inegável que as páginas de Menino de engenho são marcadas por um lirismo e um sotaque nordestino que, aliados às aventuras e às descobertas de Carlinhos, constroem uma das principais obras sobre a infância da nossa literatura.