germy 09/02/2022
"Vais encontrar o mundo"
Raul Pompeia inicia o livro O Ateneu com a maior das verdades: Sérgio lá estava para encontrar o mundo. Não o mundo ideal, o mundo onde cabiam seus cachinhos, o mundo permissivo, empático e disposto a compreendê-lo; mas o mundo da ordem, do "manda quem pode, obedece quem tem juízo" e do poder.
Acompanhamos, n'O Ateneu, a passagem de um Sérgio empolgado e alvoroçado com o início das aulas para um Sérgio que murcha diante das atrocidades que o poder consegue assumir e da forma como ele se entranha nos algozes e torna tudo justificável às suas vistas.
A todo momento Pompeia fala sobre poder. O poder dos professores sobre os alunos; o poder do diretor, que de forma petulante se intitula "mestre" daqueles pupilos, sobre os estudantes; o poder do ativo sobre o passivo; do homem sobre a mulher; do pai sobre a mãe; da ordem sobre a possibilidade eminente caos. Lembrei-me, a todo momento, de Marx quando o alemão diz no Manifesto Comunista que "a história de todas as sociedades até hoje existentes é a história da luta de classes." Talvez não sejamos apresentados a uma luta de classe em si, mas somos sim introduzidos uma dialética entre tese e antítese que a todo momento insiste em se presentificar na trama.
Interessante que no início do livro, Sérgio é alertado pelo pai que ali conhecerá o mundo, e, mais adiante, se dá conta que conheceu sim parte dele. Em dado momento Sérgio se da conta de que os males que ali estão não são deslocados, soltos ou aleatórios, mas reflexos de uma sociedade que aquilo prega: "Não é o internato que faz a sociedade; o internato a reflete. A corrupção que ali viceja, vai de fora." Me pareceu uma conexão com a obra de William Golding, O senhor das moscas, ao nos mostrar a perversidade das crianças e como elas emulam, em vários pretextos, as dinâmicas sociais de poder e submissão.
O fim do Ateneu é quase como Sodoma e Gomorra: uma aposta de que só um cataclisma pode limpar os horrores daquele prédio e das dinâmicas que ali se encenavam. Em quase trezentas páginas somos convidados a reconhecer-nos como membros da sociedade refletida pelo internato e a nos darmos conta dos terrores que a pedagogia pautada na opressão consegue causar. Genial!