Clara 13/01/2022
Escola como uma empresa e a educação machista
Um dos clássicos da literatura nacional, "O Ateneu" de Raul Pompéia é um livro dificil de ser tragado, tanto pelos excessos descritivos do Autor, quanto pelo relato de violência e opressão que domina o ar do internato.
Pela corrente majoritária de pesquisadores, ?O Ateneu? é visto como uma obra Realista, por apresentar características marcantes de estilo como: a) os excessos de descrições (dos espaços, das pessoas, dos gestos e dos pensamentos - principalmente); b) a representação do homem no seu cotidiano (a vivência diária no Ateneu) e c) a crítica social (evidenciada de forma unanime pela figura hipócrita de Aristarco). Entretanto, merece atenção a ponderação feita por Antônio Candido, que abriu a possibilidade de se enxergar a obra com elementos próprios do naturalismo: ?a busca de uma explicação materialista para os fenômenos da vida e do espírito, bem como a redução dos fatos sociais aos seus fatores externos, sobretudo os biológicos, segundo os padrões definidos pelas ciências naturais.").
Durante a leitura percebemos que a conduta de Sérgio se faz e se molda por conta do seu meio, exemplo disso é o espaço de violência em que está inserido e também quando o colega Rebelo no início da obra que já expõe as regras de sobrevivência ao internato.
Sobre a questão estética, ainda temos que a escrita muito rebuscada, beirando a um culto/veneração da língua portuguesa como outra característica do livro, que, somada as muitas descrições do entorno do personagem, criaram certa dificuldade para uma leitura fluida.
Em seguida, nota-se que ?O Ateneu? passa a ideia de ser também um romance de formação, que nada mais é do que um obra que perpassa pelo processo de amadurecimento e evolução pessoal do indivíduo. Ainda que o período vivido por Sérgio no ateneu tenha se limitado a talvez 1 ano e meio/2 anos ? o que difere um pouco da regra de outros romances de aprendizagem -, são perceptíveis as mudanças em seu comportamento, que no início ainda era muito infantilizado, para no final, estar visivelmente modificado no seu interior. Grande parte de sua formação se deu pelo contato com os outros meninos do internato, alguns que destaco: a) Sanches e Bento Alves, são dois personagens que em passagens diferentes tocam na relação de Sérgio com a sua sexualidade ? a qual ele nem se põe a pensar tanto, por conta da masculinidade tóxica (além de estarmos falando de um romance escrito no Brasil de 1888 em que não existia qualquer tipo de abertura para falar sobre o tema, sem ser de modo caricato); sobre Bento Alves, ainda faço um adendo, já que no Capítulo 6, Sergio o descreve não apenas como uma espécie de protetor, mas um tipo de cavaleiro, e quando Bento vai preso, ele relata um sentimento de abandono, tal qual as "damas trovadoras"; pessoalmente me entristeceu o fato de ?sem mais nem menos? Bento Alves se virar contra Sérgio e o agredir; b) Barreto e Santa Rosália, por sua vez refletem o a relação de Sérgio com a religião, que culmina em uma completa descrença dos símbolos católicos ? a imagem de Santa Rosália, por exemplo, ele guardava apenas para se recordar de sua falecida prima; c) Franco, seria a representação da violência ? o episódio da piscina ? em que a moral de Sérgio ressoa e ele sente-se angustiado com a possibilidade da tragédia contra seus colegas; d) Por fim, tem-se ainda o único amigo verdadeiro tido por Sérgio, que era Egbert, que demonstra o companheirismo fraterno entre eles.
É inegável que essas experiências acabaram por moldar o personagem, ainda que pelo curto período.
Traçando um paralelo entre a obra e algumas das temáticas trabalhadas no início da disciplina como a ideia de nação, a criação do sentimento de nacionalismo, temos a figura de Aristarco: sujeito que se dizia representar o pilar da moralidade, anticorrupção, ?grande educador? que forma o futuro de um país ? médicos, engenheiros e advogados.
Um detalhe interessante é que quando se discutiu o a ideia e a força do nacionalismo, o que fora dito por Ernest Renan nunca fez tanto sentido: a perspectiva histórica é inimiga do nacionalismo, pois temos que esquecer algumas coisas, para a Nação prosperar e progredir. Nesse caso, Aristarco é um desenho fiel do nacionalista que nega o que aconteceu (ou o que acontece) debaixo do nariz dele, já que ele ignora por completo os casos de violência que tomam palco no internato, preocupando-se apenas quando diz respeito a manutenção e prosperidade financeira da sua empresa escolar. A fachada do Ateneu como uma instituição reformadora é tão falsa e artificial quanto a ideia de que existe uma nação brasileira. Por fim, ressalta-se que ainda em 2021 já cruzamos com muitos ?Aristarcos? durante a trajetória academica.
No mais, a forma como é escrita a narrativa, nos depois de ter estudado no internato, soam como um olhar no passado, não tão nostálgico, mas mais como uma análise fria daquele tempo, a qual encerra da seguinte forma: ?E aqui encerro a minha crônica das saudades. Saudades verdadeiramente? Puras recordações, saudades talvez se ponderarmos que o tempo é a ocasião passageira dos fatos, mas sobretudo ? o funeral para sempre das horas.?. Do trecho final, extraímos que o termo ?crônicas de saudade? se encontra revestido de ironia, porque não há saudades daquele tempo, regado a violência, repressão e angústia.